APRESENTAÇÃO
Orgulha-me sobremaneira manter a regularidade do projeto de publicação que denominamos de Pesquisa Histórica na Educação Física, uma vez que o ano acadêmico em curso teve seu inicio marcado por uma greve das Universidades Federais que perdurou por mais de cem dias, o que já pressupõe a dimensão das dificuldades de negociação entre as representações de docentes, servidores técnico-administrativos e governo federal. O movimento de greve foi encerrado com resultados econômicos incertos, tanto para os trabalhadores na forma de salário quanto para a implementação das atividades fins das Universidades Federais do País. A eleição e a situação de crise econômica internacional constituem-se em fatores agregadores de dificuldades adicionais à veiculação do nosso terceiro volume. Portanto, sem apoio de setores públicos, tomamos a decisão de buscar outra alternativa, tendo como condição fundamental a preservação in totum da independência acadêmica e livre expressão do conteúdo inerente a cada pesquisa dos co-autores, garantindo dessa forma a continuidade de uma ação já presente nos volumes precedentes. É nesses termos que fomos acolhidos e acolhemos a chancela da Faculdade de Ciências Humanas de Aracruz. Somos todos gratos desde já.
A organicidade deste projeto de publicação começa a se caracterizar pela relação de complementandade captável entre os volumes. Entretanto, este Pesquisa Histórica na Educação Física possui sua identidade própria, que é recolocar, agora, com ênfase em todas as pesquisas, a necessidade imperiosa não só do trabalho de busca, catalogação e preservação de fontes, mas sobretudo a importância de conhecermos nossas instituições formadoras de profissionais (Escola de Educação Física do Exército, Escola Nacional de Educação Física e Desportos e Curso de Educação Física da Universidade Federal de Sergipe), bem como de aspectos biográficos e de conteúdo de autoridades intelectuais da área (Inezil Penna Marinho). Ainda põe em destaque a produção e o debate Educação Física/Ginástica/Esporte no século XIX.
Nos últimos anos, muitas tem sido as preocupações relativas ao uso de fontes nos estudos históricos ligados àEducação Física e ao esporte no Brasil. Contudo, ainda não são usuais as iniciativas de catalogação e preservação de nossas fontes. Victor Andrade de Melo apresenta algumas experiências recentes de levantamento e disponibilização de fontes para a História da Educação Física e do Esporte no Brasil. mais especificamente um projeto de confecção de bibliografias. Com esse trabalho, pretende-se contribuir para que os interessados no assunto ampliem suas pesquisas e compreendam as mais diversas possibilidades de olhar para a nossa área de conhecimento, bem como se engajem em esforços conjuntos de catalogação e preservação de fontes.
Carlos Fernando Ferreira da Cunha Junior busca (re) investigar a gênese e o desenvolvimento da Educação Física brasileira no século XIX. Para tanto, aborda fontes primárias escritas do acervo da Biblioteca Nacional publicadas em língua portuguesa durante aquele século. Definiu-se como orientação para o estudo, as seguintes questões: quem foram os responsáveis pela escrita das obras publicadas durante o século XIX? A que público ela se destinava? Seria possível pensar na existência de um mercado de livros de Educação Física no século em questão? Procurou, ainda, analisar os livros, manuais e teses a partir de um olhar genérico, ou seja, com o objetivo de perceber diferenças, semelhanças, mudanças e permanências nos objetivos, justificativas e conteúdos apregoados para a Educação Física/Ginástica em relação a ambos os sexos.
Victor Andrade de Melo questiona: quais teriam sidos os conteúdos desenvolvidos na Educação Física brasileira no século XIX, momento de sua introdução em nossas escolas? Neste capítulo o autor tem por objetivo discutir a introdução da Educação Física nas escolas brasileiras, argumentando a possibilidade de o esporte e a ginástica terem dividido espaço nas aulas como conteúdos, embora com ênfases diferenciadas de acordo com a região e com a escola, tentando também desvendar as condições para que tal conjunção tivesse ocorrido no Brasil. Este estudo pretende ainda chamar a atenção para a necessidade de desenvolvermos mais freqüentemente estudos comparados entre a Educação brasileira e a de outros países e compreendermos mais profundamente as peculiarídades da Educação Física nas escolas brasileiras no século XIX.
Amarílio Ferreira Neto discute a partir de fontes primárias a origem e projeto político-pedagógico da Escola de Educação Física do Exército no período entre 1920 e 1945. O texto traz uma nova face dessa instituição, bem como de seu projeto sobre formação de professores e sobre a Educação Física como componente curricular das escolas brasileiras. Pretende ser mais um coadjuvante no processo de repensar o debate atual em torno do desenvolvimento de uma teoria da Educação Física.
José Tarcísio Grunennvaldt (re) discute a criação da Escola Nacional de Educação Física e Desportos da Universidade do Brasil (ENEFD) a partir das elaborações teóricas de Antônio Gramsci. O autor constata que a referida Escola, pela sua afinidade com o segmento militar durante o Estado Novo, foi tida como uma forma de massificar a Educação Física no Brasil, ao mesmo tempo em que se desenvolvia uma concepção ativista que se consolidou enquanto essência histórica daquela instituição.
Ana Julia Pinto Pacheco se propõe realizar uma abordagem direcionada para a historicidade das relações de gênero na Educação Física/dança. Para tanto, tem como locus de investigação a Escola Nacional de Educação Física e Desportos (ENEFD), posteriormente transformada na Escola de Educação Física e Desportos, no período compreendido entre 1939 e 1970. O estudo foi desenvolvido por meio de fontes primárias, escritas e orais, que se referissem às questões de gênero e às atividades de dança. A partir da análise empreendida. foi possível captar que: a) desde o primeiro ano de funcionamento da ENEFD se apresentava a preocupação com uma prática de exercícios fisicos adequada às características femininas; b) neste contexto, a dança recebe destaque por ser considerada uma das atividades mais “naturais” para as meninas/mulheres; c) o rompimento da identificação dança-mulher se evidencia, ao longo da década de 1960, quando os homens começam a se envolver nessa atividade; d) o fato de os homens dançarem pode não ter representado a superação de preconceitos sexistas e homofóbicos, pois foram incorporados à dança os estereótipos masculinos e femininos.
José Américo Santos Menezes tem como objeto de trabalho a construção de uma versão da história do curso de formação de professores de Educação Física da Universidade Federal de Sergipe, a partir de fontes escritas e depoimentos de pessoas que fizeram parte de seu cotidiano.
Victor Andrade de Melo põe em relevo uma das mais importantes personagens da Educação Física brasileira neste século: Inezil Penna Marinho. O texto não pretende ser exatamente uma biografia. mas o levantamento de algumas pistas que possam ajudar aos que desejam se engajar no trabalho de profundamente discutir a vida desse insigne professor, como também oferecer uma noção da importância de sua obra para a nossa área de conhecimento.
Somos gratos aos co-autores pelo vigor de seus trabalhos de pesquisa, o que tem qualificado seguidamente esta publicação, e pela responsabilidade científico-social assumida com suas contribuições, objetivando recuperar a memória de nossa área.
Vitória, 25 de setembro de 1998
Amarílio Ferreira Neto - Organizado