APRESENTAÇÃO
A História sempre tem outra parte... Felizmente, estamos trazendo a um público cada vez mais amplo e especializado o “Pesquisa Histórica na Educação Física”, volume 4. Novas fontes, saberes, instituições, atores sociais até então intocados pela pesquisa na Educação Física brasileira.
Esta outra parte é apresentada, discutida, interpretada, a partir de olhares e experiências de pesquisa diversificadas no âmbito da Educação e da Educação Física por co-autores já conhecidos nos volumes anteriores, situação de Amarílio Ferreira Neto, Fernanda Paiva e Tarcísio Mauro Vago. Mantendo um princípio fundamental desde o primeiro volume desta produção, solicitamos, no sentido de renovar e qualificar o debate, ao mesmo tempo, as contribuições de Ana Carrilho Romero Grunennvaldt, Carla Simone Chamon, Homero Luis Alves de Lima, Luciano Mendes Faria Filho e Pierre Normando Gomes da Silva. Foi gratificante a abordagem dos originais, dado que ficou patente, logo, o esmero com que esses novos co-autores prepararam seus textos. Sou grato pela atenção de todos.
Este livro é um intertexto que dialoga em muitos pontos com os três volumes anteriores de modo que sua organização interna procura articular, complementarmente, os co-autores que aqui se expõem ao tempo que preenche lacunas, limites do estágio atual da pesquisa histórica. Isso, garantindo-se o espaço da diferença teórico-metodológica consistente e necessária à consolidação do nosso modo de fazer e veicular o conhecimento.
Luciano Mendes Faria Filho e Carla Simone Chamon, em “A Escola e a Festa: Racionalidades Distintas na Conformação de um Corpo Civilizado no Século XIX”, a partir de fontes primárias, explicitam como a instituição escolar e as festas cívicas, em seu agir pedagógico, conformam uma corporeidade civilizada nas primeiras décadas do século XIX, em Minas Gerais. Pretendem, ainda, indicar novos caminhos para a pesquisa de racionalidades e apropriação diferenciada do fenômeno educacional.
Pierre Normando Gomes da Silva em “Compendio de Gymnastica Escolar: o Corpo e a Pedagogia no Início do Século XX”, discute em pormenor o Compêndio de Gymnastica Escolar: methodo sueco-belga-brasileiro”, publicado em 1896 e reeditado até 1934, do professor da Escola Normal do Rio de Janeiro, Arthur Higgins. Essa obra não se constitui apenas num manual pedagógico que foi indicado oficialmente como livro didático para as escolas públicas do município do Rio de Janeiro, mas nela está contida a compreensão de corpo e de atividade física daquela época. Também explicita, através da sistematização pedagógica, a implantação do projeto de civilidade burguesa, instalado no Distrito Federal, que tinha a finalidade capitalista de substituir os hábitos corporais do povo brasileiro por aqueles dos países industrializados.
Tarcísio Mauro Vago, com “Estratégias de Formação de Professores de Gymnastica em Minas Gerais na Década de 1920: Produzindo o Especialista”, pretende dar continuidade àquele estudo publicado no “Pesquisa Histórica na Educação Física”, volume 2, sobre o processo de escolarização da ginástica nas escolas normais mineiras, entre 1883 e 1918, focalizando agora a década de 1920, destacando algumas estratégias mobilizadas para a formação do professorado para atuar no ensino de Educação Física nas escolas primárias. Paulatinamente, essas estratégias conduzem à produção do professor especialista em Educação Física e, dentre elas, destacam-se as reformas do ensino (primário e normal), a publicação e circulação da Revista do Ensino, a criação da Inspetoria de Educação Física e o Curso de Aperfeiçoamento. São os documentos relativos a essas estratégias que constituem fontes deste trabalho preliminar.
Ana Carrilho Romeno Grunennvaldt, em “Escola Normal de Sergipe: a Educação Física e as Normalistas”, aborda a Escola Normal de Sergipe como uma das instituições que servem de base para o processo da instrução pública no Estado, principalmente no que se refere à democratização e interiorização do ensino, pois eram as normalistas recém-formadas que partiam para os sertões, no intuito de iniciar e implementar a instrução pública nesses povoados distantes. Este estudo tem por objetivo resgatar e registrar a memória da Educação Física em Sergipe, com ênfase numa instituição — Escola Normal de Sergipe.
Amarílio Ferreira Neto, em “A Psicologia e a Educação Física em Lourenço Filho”, a partir das bases da Educação Física brasileira, na forma concebida por lnezil Penna Marinho, levanta e discute a produção de Lourenço Filho sobre a contribuição da Psicologia para a Educação Física. Já aí, é possível captar uma tentativa de demonstração da insuficiência da Biologia como forma exclusiva de se explicar a educação e a Educação Física, especialmente quando a Biologia é confrontada com a prática pedagógica de professores na década de 1940. O autor trabalha com a hipótese de que o pensamento pedagógico na Educação Física ocorre a partir da Biologia e da incorporação crescente das Ciências Sociais entre o século XIX e XX.
Homero Luis Alves de Lima, em “Pensamento Epistemológico da Educação Física Brasileira: uma Análise Crítica”, analisa o pensamento epistemológico da Educação Física brasileira. Interroga sobre as condições de possibilidade de constituição de um campo científico, centrado nas práticas corporais, que substitua as abordagens disciplinares que tradicionalmente deram sustentação teórico-científica à Educação Física. Todavia, a abrangência do campo – tenha ele como objeto, a motricidade humana, o movimento humano, os esportes, etc. –; ao permitir a incursão das ciências já constituídas, aponta para a inviabilidade da construção de uma ciência específica. A pesquisa, ao invocar Nietzsche e Foucault, lança suspeitas sobre a ambição de poder que a pretensão de cientificidade poderá estar engendrando. Sugere, então, que a problemática da legitimidade acadêmica e social da Educação Física seja retomada pela via da discussão ética e estética do corpo.
Fernanda Paiva, em “Uma Rima Dá História...”, propõe-se a refletir sobre Teoria da História aplicada à Educação e Educação Física. Para tanto, opondo ao formalismo acadêmico uma abordagem simultaneamente sintética e poética, busca pensar: para que História? Como não se deve dar a escrita da História? Existe uma História ou faz sentido pensar em Histórias de ...? Para que História da Educação? História e História da Educação: o que falam à Educação Física?
Temos, no conjunto dos textos deste livro um universo imenso de problemas para novas pesquisas desses e de outros autores. O que os leitores dos campos da Educação e Educação Física, especialmente, hão de conferir.., na quinta parte. A História sempre tem outra parte...
Vitória, 11 de agosto de 1999.
Amarílio Ferreira Neto — Organizador