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Artigos > História da Educação, da Educação Física e do Esporte > ELLER, Marcelo Laquini. A olimpíada escolar e a escolarização da educação física no Espírito Santo: 1946-1954 In: Anais do X Congresso Luso Brasileiro de História da Educação, Curitiba, 2014

ELLER, Marcelo Laquini. A olimpíada escolar e a escolarização da educação física no Espírito Santo: 1946-1954 In: Anais do X Congresso Luso Brasileiro de História da Educação, Curitiba, 2014

 

A OLIMPÍADA ESCOLAR E A ESCOLARIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO FÍSICA NO ESPÍRITO SANTO: 1946-1954

 

Marcelo Laquini Eller Ufes/Cefd/Proteoria - profeller@gmail.com

 

Palavras-chave: Olimpíada Escolar. Esporte. Educação Física

 

INTRODUÇÃO

 

            Desde as décadas finais do século XIX, é possível perceber o esporte como parte das transformações sociais que estavam ocorrendo, entendidas pelas elites como uma prática “civilizadora”, educada e educativa, em contraposição aos jogos tradicionais, percebidos como rudes e primitivos ainda ligados a uma sociedade arcaica (LUCENA, 2001). Para o autor, o esporte na cidade faz parte de um projeto que busca produzir novas sociabilidades, formas de recreação e controle da violência e da excitação. Esse processo de esportivização da cidade é profícuo, pois é percebido como capaz de refletir a modernidade traduzida nos gestos, nas emoções, nos desejos e nas atitudes. Na escola, ele começa a ser verificado nas décadas de 1930 e 1940, momento em que a ginástica, fundamentada principalmente nos Métodos Sueco e Francês, passa a ser questionada e, paulatinamente, a ser substituída pelo esporte como conteúdo privilegiado das aulas de Educação Física (SCHNEIDER, 2010).

O estudo analisa a temática da Olimpíada Escolar, introduzida no Estado do Espírito Santo entre os anos de 1946 e 1954, e utiliza como fontes as matérias veiculadas em dois periódicos da grande imprensa capixaba, os jornais A Gazeta e A Tribuna, principalmente em suas seções esportivas, objetivando compreender a relação da Olimpíada Escolar capixaba com o processo de escolarização do esporte como conteúdo da Educação Física.

A Olimpíada Escolar foi instituída a partir do ano de 1946 pelo Serviço de Educação Física (SEF), órgão que funcionava na Secretaria de Educação e Saúde Pública do Estado do Espírito Santo. Ao analisarmos essa temática, percebemos que ela foi instituída nos moldes das Olimpíadas da Era Moderna, acontecendo bianualmente, envolvendo instituições educacionais da Capital e do interior do Estado. As Olimpíadas Escolares capixabas eram realizadas especificamente nas datas de comemorações cívicas.

Naquele momento, no Estado do Espírito Santo, os conteúdos programáticos para a escolarização estavam relacionados com o que prescrevia o Método Francês, no qual se contemplava a ginástica em todos os ciclos e o esporte nos níveis secundário e superior. É possível perceber, pela imprensa periódica especializada, que a questão do que deveria ser ensinado como Educação Física dividia as opiniões dos intelectuais da área. Esse processo produzia alguns discursos contra e a favor, caracterizando o que podemos chamar de lutas de representação que também revelam a luta pelo campo da Educação Física. Compreendemos, conforme os estudos de Chartier (1991, p. 15), que “[...] as lutas de representações têm tanta importância quanto as lutas econômicas para a compreensão dos mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor, sua concepção de mundo social, seus valores e seu domínio".

            Como forma de sinalizar o panorama que estava sendo proposto para a Educação Física nesse momento, trazemos uma reportagem que foi escrita como síntese do que era considerado as qualidades da ginástica e do esporte. Segundo o autor da matéria, esses dois fenômenos possuíam algumas especificidades que remetiam a uma ideia de homem e sociedade. Assim dizia ele:

 

[...] a edade nova requer homens de iniciativa, vivos, criteriosos. Será necessario, portanto, empregar typos de actividade que desenvolvam essas qualidades. Estas caracteisticas desenvolvem-se geralmente nos jogos. O jogo é creador e poetico. Tem grande valor como estimulante da imaginação. [...] a nova educação physica deve ser antes objetiva que subjetiva. A gymmastica do passado era subjetiva. Os esportes actuaes são objetivos. Naquella, a grande preocupação estava na forma e na maneira de executar um determinado exercicio. Neste, o que importa são os resultados, como, por exemplo, fazer a bola passar uma determinada linha para marcar um goal. Antigamente, dava-se valor ao equipamento e aos materiaes a empregar. Agora, aos indivíduos que com elles serão beneficiados. A edade moderna precisa de homens efficintes e optmistas. A nova educação physica dará, por isso, grande importancia á hygiene. Ensinará o homem a viver da melhor maneira possível. Fará com que cada um dos seus habitos physicos contribua para o aumento da sua efficacia e não para sua diminuição.[...] antes os jogos athleticos tinham valor como espetáculo. Agora a participação nelles é que valle (FISHER, 1934, p. 13-14).

 

Para o autor, o esporte atendia melhor às necessidades de uma sociedade moderna, objetivista e dinâmica, tendo na participação dos jogos seu grande valor, pois estes, além de desenvolver outras qualidades, buscavam também o resultado, o que estava em consonância com os preceitos do trabalho.

Por outro lado, Fernando de Azevedo, diretor-geral da Instrução Pública do Estado de São Paulo, argumenta que os esportes concretamente tinham o seu lugar em um programa de Educação Física escolar, desde que não se abdicasse da preparação que somente a aplicação dos métodos ginásticos poderia oferecer, como aquisição de capacidades físicas, como força, capacidade respiratória e flexibilidade. Desse modo, para o intelectual, a “gymnastica scientificamente administrada” não poderia ser substituída pelo esporte. Diante dessa perspectiva que explora a escolha de um modelo de Educação Física escolar no período estudado, o surgimento da Olimpíada Escolar constituiu-se relevante ponto de investigação entre as disputas para se estabelecer o sentido do ensino desse conteúdo disciplinar.

            Cotrim (2005) aponta que, logo após o final da Segunda Guerra Mundial, iniciou-se um movimento conhecido como Guerra Fria, designado como o período histórico de disputas estratégicas e conflitos indiretos entre os Estados Unidos da América (EUA) e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), desencadeando conflitos de ordem política, militar, tecnológica, econômica e ideológica entre as duas nações e suas zonas de influência. A Guerra Fria determinou o deslocamento do sentido/significado da Educação Física mundial, refletindo tanto nos países considerados como potências mundiais quanto naqueles que pretendiam fazer parte desse grupo.

As disputas que outrora exigiam do corpo, vigor, saúde, força e contato corporal não seriam mais travadas nos campos de batalhas com contato direto, mas, sim, no campo de batalha simbólica do esporte, representadas principalmente pelas competições esportivas que se materializaram por meio das Olimpíadas da Era Moderna, em que, segundo Rúbio (2010), “[...] as medalhas passaram a ser contadas como ponto a favor de seus regimes, afirmando um certo tipo de superioridade” (p. 66), e as rivalidades internacionais foram transportadas para o terreno do esporte olímpico, metaforizando inúmeros conflitos manifestos e latentes, regionais ou internacionais.

            Ao estudar a história do Espírito Santo, Hees e Franco (2003) assinalam que as festas religiosas, os comícios políticos e os carnavais de rua eram as principais diversões do grande público da Capital na primeira metade do século XX. Outras opções de lazer eram as concorridas regatas domingueiras, os banhos de mar e o futebol citadino, sobretudo, as animadas e disputadas partidas de futebol entre o Rio Branco Futebol e o Vitória Futebol Clube. As atrações esportivas priorizavam não somente o futebol, mas também as competições de remo com participações dos clubes Álvares Cabral, Saldanha da Gama e Náutico Brasil, além do basquetebol e do atletismo, organizados pela Liga Sportiva Espírito-Santense (LSES).

            Para analisar o nosso objeto, trabalhamos com os conceitos de estratégia e tática em Michel de Certeau (1994), com o conceito de lutas de representação de Roger Chartier (1991), amparados pelo paradigma indiciário de Carlo Ginzburg (1989) para buscar a compreensão dos elementos que permitem a escolarização do esporte na região do Espírito Santo.

            Ao observar o fenômeno da Olimpíada Escolar capixaba, apoiamo-nos em uma das análises de Da Matta (2003) sobre os Jogos Olímpicos. Para o autor, “[...] os Jogos Olímpicos podem ser compreendidos como rituais seculares de celebração da modernidade que influenciam as mais variadas competições esportivas, tais como Jogos e Olimpíadas Escolares” (DA MATTA, 2003, p. 23). Nesse caso, buscamos perceber a especificidade dessa prática em terras capixabas e questionamos: como era organizada a Olimpíada Escolar no Estado do Espírito Santo? Como se davam as escolhas das cidades-sede? Quais modalidades eram disputadas? Como o regulamento da competição era prescrito? Esperamos com essas interrogações perceber as disputas em torno do sentido do esporte, sua associação a um plano de modernização da Educação Física em um momento de conflito mundial que busca, entre outras ações estratégicas, ressignificar o campo educacional.

 

 

DESENVOLVIMENTO

 

A primeira realização da Olimpíada Escolar no Espírito Santo aconteceu no mês de setembro no ano de 1946, em um período de transição entre os interventores federais Aristides Alexandre Campos e Ubaldo Ramalhete Maia. Nesse momento ela era organizada pelo Serviço de Educação Física, ligado à Secretaria de Educação e Instrução Pública. A direção desse órgão era exercida pelo professor Aloyr Queiroz de Araújo que se torna, além do idealizador e responsável pela sistematização da Olimpíada Escolar, um importante difusor da Educação Física no Estado do Espírito Santo.

Em matéria denominada Será instalada hoje, em solenidade, a Olimpíada Escolar de 1946, veiculada a seguir, podemos perceber a importância do evento no contexto político-educacional capixaba:

 

Hoje solenemente será instalada a Olimpíada Escolar de 1946, transferida por motivos superiores. Povo, estudantes e autoridades, todos estarão presentes ao estádio Jucutuquara, comemorando a instalação da olimpíada, movimento cívico – desportivo de grande significação na formação moral e física dos nossos jovens. Os governos bem orientados sabem do valor em proporcionar à juventude espetáculos como o de hoje. São competições em que o cérebro, o coração e os músculos entram em plena atividade formando um conjunto vivo bem proporcionado e saudável. Jovens com saúde! Jovens com boa formação moral! Jovens assim são uma garantia para o futuro de qualquer pátria!” Por isso a educação física é hoje olhada com especial carinho pelos povos mais cultos do mundo! Um povo forte é um povo que vence! Fortalecendo nossos jovens, estaremos fortalecendo o Espírito Santo e estaremos fortalecendo o Brasil! A solenidade de hoje será presidida pelo Interventor Federal e outras altas autoridades estaduais. O povo em geral está convidado a assistir a instalação solene da OLIMPIADA ESCOLAR DE 1946 (A GAZETA , 31 de agosto de 1946).

 

Podemos inferir que a Olimpíada Escolar foi instituída com forte apelo cívico e desportivo, dando visibilidade às práticas culturais escolares num movimento que nasce de dentro para fora da escola, associando-se a uma formação intelectual, moral e “corporal” para a juventude brasileira. O discurso aponta o sentido da espetacularização do esporte, dando-lhe o status de uma manifestação cultural capaz de influenciar corações e mentes, ao fazer circular as prescrições governamentais da Constituição Federal, promulgada no ano de 1937, nos arts. 125 e 127.

A ideia de uma competição entre escolares, regrada pelos códigos do esporte, principalmente pela sombra do movimento olímpico, não nasceu no Espírito Santo. As Olimpíadas Escolares já aconteciam em outros Estados. Conforme anuncia Marinho (1944) em um de seus escritos, houve

 

Uma demonstração empolgante do desenvolvimento esportivo no Estado de São Paulo revelou, sem dúvida, o Campeonato Colegial da Semana da Pátria, promovido pelo Departamento de Educação Física do Estado de São Paulo e Diretoria de Esportes e com a cooperação de diversas entidades especializadas estaduais (REVISTA BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO FÍSICA. Ano I, n. 11, p. 2-4, 1944).

 

Ao observar os documentos que relatam as Olimpíadas Escolares capixabas, percebemos que, naqueles momentos, eram realizados rituais muito próximos dos praticados na organização dos Jogos Olímpicos da Era Moderna, tendo na solenidade de abertura uma programação diversificada, incluindo desfiles dos grêmios estudantis participantes, a chegada do fogo simbólico, a cerimônia de acendimento da pira olímpica e a cerimônia de apresentação de danças coreografadas.  

            Um dos destaques da programação ficava por conta da dança coreografada denominada “Evocação do Fogo Simbólico”, ensaiada pelas professoras e realizadas pelas alunas da Escola Normal Pedro II, uma das instituições concorrentes da Olimpíada Escolar. Nesse contexto, percebemos a ressignificação da ginástica na ambiência da escola e sua interação com o esporte, demonstrando, ainda, a descontinuidade de uma ginástica homogênea que cultuava o corpo, o belo e o estético para uma outra ginástica que, de acordo com Vigarello (2003), procurava mais o aperfeiçoamento muscular e do gesto.

            Em relação às Olimpíadas Escolares, conforme Araújo (1956), sua realização ocorreu de forma ininterrupta, bianualmente até o ano de 1954. A primeira edição foi realizada em 1946, na cidade de Vitória; a segunda aconteceu no ano de 1948, também na cidade de Vitória; a terceira edição foi organizada em 1950, na cidade de Muqui; a quarta foi estabelecida em 1952, novamente na cidade de Vitória; e a quinta edição foi no ano de 1954, na cidade de Colatina.

Em termos quantitativos, a primeira edição contou com a participação de 207 alunos/atletas (ARAÚJO, 1946), todos de instituições escolares da Capital. Na segunda edição do evento, atraiu 528 participantes, alunos/atletas, muitos deles vindos do interior do Estado (ARAÚJO, 1948).

Em relação às condições da participação, foi decidido, em reunião da organização, que não poderia haver a inscrição de participantes que fossem filiados a clubes esportivos, pois isso caracterizaria vantagem àqueles que já tivessem um nível de especialização elevado no esporte.

 

No dia 02 de julho de 1948, no salão da Escola Técnica de Comércio de Cachoeiro de Itapemirim, realizou-se uma reunião dos membros do Conselho Escolar nesta cidade [...] falou sobre a resolução do Conselho em sua primeira reunião do ano, de afastar das competições os atletas inscritos em clubes esportivos [...] que em muito iria dificultar a composição das embaixadas. Foi frizado que esses atletas, em geral, são formados pelos estabelecimentos de ensino, sendo depois aproveitados pelos clubes. Por deliberação dos presentes, foi a reunião suspensa, em vista do avançado das horas (A GAZETA, 10 de junho de 1948, p. 5).

 

Percebemos nesse contexto que os organizadores da Olimpíada Escolar estrategicamente exigiam reuniões pontuais com os municípios participantes para esclarecimento e aprovação do regulamento prévio da competição, e sinalizavam preocupação com os atletas “federados”, demonstrando, também, a influência do desporto escolar na sua relação com as práticas esportivas citadinas.

A terceira edição, no ano de 1950, registrou a primeira interiorização da Olimpíada Escolar. Nessa edição, foram inscritos 484 alunos/atletas. Uma das particularidades dessa edição diz respeito à condução do archote olímpico por atletas e civis da Capital até a cidade de Muqui, percorrendo um total de 194km.

Na quarta edição, no ano de 1952, o evento esportivo retorna para a Capital, onde foram inscritos 698 atletas/alunos (ARAÚJO, 1953) aumentando significativamente o número de envolvidos.

A descontinuidade marca a quinta e a última edição da Olimpíada Escolar capixaba, no ano de 1954, quando, pela segunda vez, a Olimpíada Escolar se desloca para o interior do Estado em direção à cidade de Colatina. Nesta edição, 417 alunos/atletas estiveram envolvidos diretamente (ARAÚJO, 1956). Nesse momento acontece também, como forma de dar maior visibilidade aos trabalhos desenvolvidos nas escolas, a I Exposição Escolar de Educação Física, Artes, Cultura e Trabalhos Pedagógicos.

O Conselho Desportivo Escolar (CDE.) era o órgão designado para organizar técnica e financeiramente as Olimpíadas Escolares, tendo, ainda, como uma de suas atribuições eleger as cidades-sede. As cidades candidatas apresentavam suas credenciais ao CDE por relatórios, descrevendo suas estrutura física para as competições e sua logística para alojar os alunos (ARAÚJO, 1952). Por meio de votação no Conselho, era eleita a cidade-sede.

            Sobre o fato de a cidade de Muqui ter sediado a Olimpíada Escolar em 1950, acreditamos que foi em função da disponibilidade da estrutura física do Colégio Municipal de Muqui, sob coordenação do diretor Dirceu Cardoso, figura política importante da cidade naqueles anos.

            Na Olimpíada Escolar do ano de 1954, observamos o papel político do prefeito Justiniano de Melo e Silva Neto, da cidade de Colatina, que possibilitou a captação e liberação de recursos financeiros específicos para o evento, o que foi decisivo na escolha do município de Colatina para a realização da quinta edição da Olimpíada Escolar.

            O regulamento da Olimpíada Escolar era prescrito pelo CDE reunindo seu órgão diretor para deliberar sobre as formas de disputas, formalizações e considerações gerais para o evento. Uma das prerrogativas era que só poderiam participar os grêmios estudantis devidamente inscritos no CDE, não podendo inscrever além de 40 rapazes e 30 moças, tendo o Serviço de Educação Física (SEF) a conveniência de conceder inscrições suplementares. Os alunos deveriam estar matriculados em curso de ensino de 2º grau mantido por estabelecimento oficial ou reconhecido, ter desenvolvimento normal e eficiência física devidamente atestada pelo médico do Serviço de Educação Física, devendo, ainda, respeitar o código de penalidades e ter no máximo a idade cronológica de 21 anos incompletos.

            Ao analisarmos as modalidades disputadas na Olimpíada Escolar realizada no Estado do Espírito Santo, tomamos como média/base a Olimpíada de 1948 para demonstrar quais práticas esportivas faziam parte dos programas de provas disputadas pelas escolas concorrentes. De acordo com Araújo (1949), o programa era composto por desportos individuais e coletivos contemplando as seguintes modalidades. No atletismo masculino, eram disputadas as corridas de 75m, 500m, 4 x 75m, 83m com barreira e também saltos em altura, distância e com vara e os arremessos de dardo, peso e disco; nas modalidades de atletismo no gênero feminino, eram disputadas as corridas de 50m e 4x 50m, o salto em distância e os arremessos da pelota com impulso, do dardo e do disco. Havia, ainda, a natação, a prova de ciclismo, tênis de mesa individual e em duplas, em ambos os gêneros; posteriormente a ginástica em ambos os gêneros. Os desportos coletivos masculinos contemplavam as modalidades: basquetebol, voleibol e futebol e, para o gênero feminino, o voleibol.

            Na Olimpíada Escolar, cada modalidade de desporto constituía-se um campeonato masculino ou feminino, e era conferido pelo Conselho Desportivo Escolar o referido título. A forma de disputa dos desportos coletivos na Olimpíada Escolar era pelo sistema de eliminatória simples, e a instituição educacional cuja associação desportiva representada pelos grêmios esportivos alcançasse, na contagem geral, o maior número de pontos seria proclamada vencedora da Olimpíada Escolar.

A seguir, apresentamos os educandários vencedores das cinco edições da Olimpíada Escolar capixaba nas diferentes categorias. No ano de 1946, sagrou-se campeã na categoria masculina a UAGES com um total de 92,5 pontos e, na categoria feminina, o Grêmio “Maria Ortiz” com um total de 53 pontos. No ano de 1948, com a Olimpíada realizada também na cidade de Vitória, foi campeã na categoria masculina o GLE “Loren Reno” com um total de 72,5 pontos e, na categoria feminina, a ALD Escola Normal Pedro II. Dando continuidade à apresentação dos vencedores, no ano de 1950, sagrou-se campeã, na categoria masculina, o Grêmio Euclides da Cunha com um total de 93 pontos e, na categoria feminina, a ALEAC com um total de 40 pontos. No ano de 1952, o campeão, na categoria masculina, foi o Grêmio Ruy Barbosa com um total de 124 pontos e, na categoria feminina, o ALD Escola Normal Pedro II. Finalizando, então, no ano de 1954, sagrou-se campeã, na categoria masculina, o Centro Social “Guia Lopez”, com um total de 143 pontos e, na categoria feminina, a ALD Escola Normal Pedro II com um total de 78 pontos.

            Podemos perceber, nos resultados apresentados, que a Olimpíada Escolar capixaba, em cada edição, contemplava premiações distintas entre as categorias masculina/feminina. Na categoria masculina, as primeiras colocações foram bem distribuídas entre os grêmios participantes, não havendo qualquer superioridade por parte de determinada agremiação, mas, por outro lado, na categoria feminina, a supremacia foi marcante por parte da ALD Escola Normal Pedro II que venceu quatro das cinco edições da Olimpíada Escolar capixaba, demonstrando nos números o investimento na Educação Física realizado naquela instituição escolar.

            De acordo com Araújo (1954), tendo como base os resultados homologados pelo Conselho Desportivo Escolar, observamos uma superioridade do GLD Loren Reno, representante do Colégio Americano, situado na cidade de Vitória, figurando como destaque em cinco modalidades apresentadas, tendo como um dos seus destaques esportivos os atletas José Dalla Fontes, detentor de três recordes nas modalidades de lançamento de disco, lançamento de peso e salto em altura, e o nadador Fábio Mattos do Grêmio Euclides da Cunha do Colégio Municipal de Muqui, o qual venceu as provas de 80 metros na categoria nado livre e costas e 400 metros nado livre. Como destaque feminino, percebemos o nome de Jaísa Telles de Sá, representando a ALEAC/Escola Técnica de Comércio da cidade de Vitória, nas modalidades de lançamento de disco e salto em distância.

            De forma geral, a Olimpíada Escolar exigia interação e participação de diferentes setores públicos e privados para que as competições pudessem se desenvolver com tranquilidade. De acordo com Araújo (1952), o financiamento do evento esportivo era orientado sob a forma de auxílios do Governo, das Prefeituras Municipais, além da criação do Fundo Econômico com campanhas populares de doações e venda de selos olímpicos, camisas, etiquetas, flâmulas, lenços e bonés.

Sobre os gastos gerais da organização do evento, de acordo com o autor, tendo como parâmetro a edição de 1952, observamos que foram fornecidas 3.505 refeições e 1.470 cafés, distribuídos entre as três instituições responsáveis pelo alojamento dos alunos. Conforme o balancete feito pela Secretaria do Serviço de Educação Física, as maiores despesas eram provenientes da exibição pirotécnica, alimentação das embaixadas, aquisição de luzes negras, fantasias e tintas luminosas. A espetacularização da Olimpíada Escolar procura chamar a atenção de um público ávido por momentos de tensões agradáveis que o esporte pode fornecer, tanto para os atletas como para os observadores das performances esportivas.

            Pensar a Olimpíada Escolar dentro do contexto educacional, no recorte estabelecido, ajuda-nos a refletir sobre as dificuldades encontradas pelos professores de Educação Física em relação aos materiais específicos para a preparação das equipes, uma vez que a aquisição desses dispositivos não era de fácil aquisição e mesmo de manutenção.

Em contato com as fontes, constatamos que foi em 1936, pela Lei nº 98, de 24 de setembro, que o Serviço foi reorganizado, passando aquele Departamento a Inspetoria e, posteriormente, a Diretoria que, por sua vez, foi transformada no atual Serviço de Educação Física. Para melhor atender à sua finalidade, foi o regulamento desse órgão atualizado pelo Decreto nº 9, de 12 de agosto de 1947, no qual foi traçado um plano de atividades que, além de prever a construção de praças de esportes, campos de Educação Física, jogos e recreação, criou o Conselho Desportivo Escolar para orientar e dirigir os desportos estudantis que congregam em sua bandeira os diretores dos estabelecimentos de ensino secundário, professores de Educação Física e alunos dos estabelecimentos educacionais (A TRIBUNA, 1948).

Para Certeau (1994), a estratégia é “[...] uma entidade que é reconhecida como uma autoridade, pode ter o status de ordem dominante ou ser sancionada pelas forças dominantes, com objetivos de se perpetuar através das coisas que ela produz” (p. 46). Dentro dessa lógica, o Serviço de Educação Física exercerá papel importante e estratégico no desenvolvimento da Educação Física no Estado, pois tornou-se voz autorizada e regulamentadora das ações que envolviam desde a formação dos professores que atuariam na Capital e no interior do Estado até o controle da participação dos grêmios esportivos estudantis pelo Conselho Desportivo Escolar na Olimpíada Escolar promovida por aquele órgão governamental. E, ainda, conforme Barros (1997), utilizava-se da imprensa para fazer circular suas representações com um discurso conformador, pois, até mesmo nesse setor, o Serviço Educação Física, na pessoa de seu representante, o professor Aloyr Queiroz de Araújo, detinha o poder e a estratégia de selecionar as matérias que seriam veiculadas na grande imprensa, pois ele mantinha relações de prestações de serviços com o jornal A Gazeta em suas seções esportivas.

Ainda conforme Barros (1997), o professor Aloyr Queiroz de Araújo foi nomeado professor de Metodologia da Educação Física do Curso Infantil da Escola de Educação Física do Espírito Santo em 1946, quando, no mesmo ano, iniciou sua produção literária veiculando ideias e discursos previamente selecionados tanto para docentes quanto para discentes da Educação Física, além de representar o Estado do Espírito Santo em eventos que envolviam o campo da Educação Física, em âmbito nacional e internacional. De posse dessas credenciais, podemos compreender que o professor Aloyr Queiroz de Araújo conquistou considerável capital simbólico no período analisado, atuando estrategicamente nas áreas acadêmica/educacional, governamental e da imprensa, em relação à Educação Física capixaba, consequentemente, autorizando e desautorizando ações dentro do campo.

            Percebemos que a forma de circulação dos discursos prescritivos por meio da imprensa assinala um meio relevante de disseminação da escolarização da Educação Física, pois “[...] a imprensa ajuda a dar forma ao que por ela é registrado, não devendo ser desconsiderada na constituição de uma dada realidade, uma vez que interpreta para o leitor o acontecido” (SCHNEIDER, 2010, p. XX) e, para produzir seu efeito, procura utilizar uma linguagem neutra. Dessa forma, constatamos na citação a seguir uma ordem do discurso que procura demonstrar aos leitores as boas-novas que a esportivização, via Educação Física escolar, apresentava:

 

A educação, em seu conceito hodierno, tem no preparo físico da criança, um dos alicerces em que se apoia a elevação do nível social e cultural dos povos. É sabido que um povo forte, culto e patriota, constitue a maior arma de soberania e integridade de uma Nação. Cuidando desde cedo das novas gerações, proporcionando-lhes equilibrada educação do corpo e espírito, dirigindo a formação no verdadeiro sentido de nacionalidade, poderá qualquer país confiar nas suas reservas humanas [...]. Das medidas postas em prática, visando a formação de uma raça mais forte, a educação física dos nossos escolares tem sido olhada com especial carinho. Em nosso Estado, onde os problemas educacionais sempre despertaram a atenção dos seus governantes, o ensino da educação física há muito que se acha incorporado aos programas escolares (A GAZETA, 19 junho, 1946).

 

            Ao contextualizarmos, percebemos que as prescrições sobre a Educação Física para o Estado do Espírito Santo estavam pautadas na ideia de forjar a formação de uma raça mais forte por meio da Educação Física, inserindo-a dentro do projeto moderno de esportivização no interior da escolarização.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

            Concluímos, com essas pistas (GINZBURG, 1989), que a Olimpíada Escolar surge como uma prática interna na escola com finalidades cívico-patrióticas de cunho pedagógico, com o intuito de fazer reviver o espírito de fraternidade e estreitar os laços de cordialidade, levando a educação desportiva ao seio da classe estudantil.

A exigência de competições esportivas em todos os âmbitos foi mediada pelas mudanças sociopolíticas advindas de certa forma em função do pós-Segunda Guerra que atribuiu ao campo esportivo novos sentidos/significados, em que o esporte passa a ser compreendido como conteúdo predominante nas aulas de Educação Física, relegando à ginástica um papel secundário no contexto educacional. Entretanto, percebemos que a ginástica não perdeu total importância dentro do contexto da Educação Física, muito em função das dificuldades financeiras no setor educacional para a construção e ampliação de espaços físicos adequados nas escolas, o que, por outro lado, também proporcionou a oportunidade para que ela fosse ressignificada, adequando-se ao esporte como sua parte preparatória.           

            Observamos ainda que a Olimpíada Escolar capixaba contribuiu relevantemente com o processo de escolarização da Educação Física, dando visibilidade no cenário cultural do Espírito Santo, por meio dos jogos e da circulação deles por diversas regiões. Alguns momentos percebidos como espetáculos competitivos traziam para o palco o que de melhor se estava produzindo com atletas nas escolas.

            Nos jogos esportivos se evidenciava, além do espírito competitivo, que era estimulado, também o sentimento de ordem, de civilidade e pertencimento a uma nação, que procurava excitar os sentidos e controlar as pulsões dos atletas e espectadores.

As Olimpíadas Escolares acompanharam os preceitos da modernidade que eram exigidos no período, correspondendo aos modelos organizacionais da Olimpíada Universal, tomada como parâmetro para a representação simbólica do esporte, o que possivelmente pode ter contribuído para o processo de escolarização do esporte por meio da Educação Física.

Constatamos, por trás do projeto Olimpíadas Escolares, um ideal de nacionalização, da construção de um sentimento cívico e de forja da nacionalidade, representações importantes para um pais que procura se modernizar, preparar para o trabalho e constituir uma nação.

Percebemos que a Olimpíada Escolar demonstrava outra vertente do esporte, a força política, motivando representantes municipais e diretores de escolas estaduais em busca de articulações para a consignação de recursos financeiros para o desenvolvimento e participação da Olimpíada Escolar, servindo, no primeiro caso, talvez, para fins políticos, como plataforma de governo e, no segundo caso, para dar visibilidade às aulas de Educação Física escolar como meio de detecção de talentos e treinamento para as competições esportivas.

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

BARROS, M. da G. F. Professor Aloyr Queiroz de Araújo. 1997. Monografia (Graduação em Educação Física). Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória/ES, 1997.

BLOCH, M. Apologia da história ou O ofício de historiador. Prefácio de Jacques Le Goff, apresentação à edição brasileira de Lilia Moritz Schwarcz e tradução de André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.

CERTEAU, M. de. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. Petrópolis/RJ: Vozes, 1994.

CHARTIER, R. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1991.

COTRIM, G. História global: Brasil e Geral. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

DA MATTA, R. Jogos olímpicos e o futebol no Brasil. Antropolítica: Revista Contemporânea de Antropologia e Ciência, Niterói: Eduff, n. 14, p. 1-157, 2003.

FISHER, I. A nova educação física. Educação Física, Rio de Janeiro, n. 73, p.11, mar./abr. 1943.

GINZBURG,C. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

HEES, R. R.; FRANCO, S. P. A República no Espírito Santo. Vitória/ES: Aquarius, 2003.

JULIÁ, D. A cultura escolar como objeto histórico. Revista Brasileira da História de Educação. Campinas: Sociedade Brasileira de História da Educação, n. 1, p. 9-43, jan./jun. 2001.

LUCENA, R. F. de. O esporte na cidade: aspectos do esforço civilizador brasileiro. Campinas: Autores Associados, 2001.

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Instituto de Pesquisa em Educação e Educação Física (PROTEORIA), http://www.proteoria.org
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Prévia do artigo BRUSCHI, Marcela; SCHNEIDER, Omar; ASSUNÇÃO, Wallace Rocha. Professoras e autoras: circulação, apropriação e produção de saberes sobre a educação física no Espírito Santo (1931-1936) In: Anais do X Congresso Luso Brasileiro de História da Educação, Curitiba, 2014
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