WILL, Thiago ferraz; SCHNEIDER, Omar; ASSUNÇÃO, Wallace Rocha. Arquivos da Escola de Educação Física do Espírito Santo: o Ensino da História da Educação Física entre as Décadas de 1930 e 1960 In: Anais do X Congresso Luso Brasileiro de História da Educação, Curitiba, 2014
Arquivos da Escola de Educação Física do Espírito Santo: o Ensino da História da Educação Física entre as Décadas de 1930 e 1960
Thiago Ferraz Will- Ufes/Cefd/Proteoria - thiago-will@hotmail.com
Omar Schneider -Ufes/Cefd/Proteoria - omarvix@gmail.com
Wallace Rocha Assunção -Proteoria -wallra@hotmail.com
Palavras_chave: História da Educação Física. Ensino. Espírito Santo.
Introdução
A investigação faz parte do projeto História e Memória da Educação Física e do Esporte no Espírito Santo: autores, atores e instituições (1931-1961), que procura compreender a História da Educação Física e do Esporte no Espírito Santo tomando como referência a implantação do Curso de Educação Física no ano de 1931, como Curso de Emergência de Educação Física, até o ano de 1961, quando passa a ser conhecido como Escola de Educação Física do Espírito Santo e a integrar a Universidade Federal do Espírito Santo (SILVA, 1996).
Com a implantação do curso emergencial em Educação Física, criam-se outras disciplinas e também documentos, como planos de ensino, conteúdos de ensino e pontos para a avaliação que destacariam de um universo de possibilidades os conhecimentos compreendidos como necessários para a formação dos futuros professores do curso.
Após a conversão da Escola de Educação Física em Centro de Educação Física e Desportos, a documentação gerada anteriormente ao ano de 1961 passou a constituir um “Arquivo Permanente”, funcionando como arquivo histórico da administração do curso, guardando a memória do que foi a instituição, suas disciplinas, seus professores e suas propostas de ensino ao longo dos seus 30 primeiros anos. Apesar de esses documentos se configurarem como importantes fontes para a compreensão da proposta de ensino do curso, devemos ficar atentos, pois esses registros são apenas parte dos acontecimentos registrados. Ali não está expresso todo o cotidiano institucional, mas apenas aquilo que foi entendido como importante e digno de ser preservado. A documentação nos oferece somente pistas, fragmentos do que era ensinado e de como era avaliado nas disciplinas. Temos apenas representações sobre o ensino de História da Educação Física, um monumento ao passado que deve ser lido com cautela, perspectivado como documento oficial que possui protocolos para a sua produção e circulação. Segundo Le Goff (2003, p. 536),
A concepção do documento/monumento é, pois, independente da revolução documental e entre os seus objetivos está o de evitar que esta revolução necessária se transforme num derivativo e desvie o historiador do seu dever principal: a crítica do documento – qualquer que ele seja – enquanto monumento. O documento não é qualquer coisa que fica por conta do passado, é um produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de forças que aí detinham o poder. Só a análise do documento enquanto monumento permite à memória coletiva recuperá-lo e ao historiador usá-lo cientificamente, isto é, com pleno conhecimento de causa.
Le Goff nos adverte que os documentos/monumentos nunca são inócuos, pois significam resultados de uma montagem consciente ou inconsciente da história da época que nos direciona e nos dá condições de compreender seus usos e suas relações com as produções de um determinado período.
Objetivos
Na periodização do estudo, utiliza-se como referência a implantação do Curso de Emergência Educação Física, no ano de 1931, em Vitória. Em 1961, esse curso passa a integrar o Centro de Educação Física e Desportos (Cedf) da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Dessa forma, a investigação objetiva analisar os documentos guardados no Arquivo Permanente do (Cefd/Ufes), buscando conhecer os conteúdos que eram ensinados aos alunos, como História da Educação Física, analisando a periodização empregada, a bibliografia utilizada no ensino e a identificação dos autores que eram utilizados como referência para o ensino da disciplina História da Educação Física.
Metodologia
No levantamento de fontes, buscamos pesquisas queabordassem a temática do ensino de História da Educação Física para entender como esse assunto foi e vem sendo tratado pela comunidade acadêmica.
Como referencial teórico, empregamos o conceito de lutas de representação[1] desenvolvido por Roger Chartier (1991) para compreender as discussões sobre o ensino da História da Educação Física e seus conteúdos e também proceder a uma análise comparativa dos documentos para visualizar a circulação dos conteúdos da disciplina durante os primeiros anos do curso. Dessa forma, a investigação se constitui como uma pesquisa no campo da História da Educação Física que utiliza como corpus documental os arquivos guardados no Arquivo Permanente do Cefd/Ufes.
Metodologicamente, em um primeiro momento, optamos por realizar um levantamento bibliográfico com a finalidade de localizar publicações que tivessem como tema a história do ensino de História da Educação Física. Para tanto, fizemos uma pesquisa em revistas e anais de congressos da área da Educação Física buscando publicações com o intuito de levantar a forma como o ensino de História da Educação Física vinha sendo tematizado como um saber que deveria fazer parte da formação dos professores. Tomamos como referência para a busca, na área da Educação Física, o Catálogo de periódicos de educação física e esporte (1930-2000) e os anais dos congressos de História da Educação Física, Esporte e Lazer realizados entre os anos de 1993 e 2000. Por fim, fizemos um busca por programas de disciplinas entre as décadas de 1930 e 1960 no Arquivo Permanente do Cefd/Ufes.
Para analisar os documentos do Arquivo Permanente, comparamos os conteúdos dos programas de disciplina. Dessa maneira, pudemos extrair informações que são encontradas dispersas em diferentes documentos, porém fazem parte de um fundo documental que possui conteúdos que variam no ordenamento de sua série. Essa estratégia foi empregada para analisar os arquivos referentes às décadas de 1930 e 1960. Esses documentos foram separados por décadas para uma melhor análise cronológica. Por esse motivo, houve necessidade de analisar os conteúdos que eram comuns entre eles, o que permitiu evidenciar os assuntos que compunham os programas de disciplinas para a cadeira de História da Educação Física, os temas centrais a serem ensinados e os autores utilizados como referência para o ensino dessa disciplina. Os diversos documentos encontrados foram periodizados pela data de implantação do curso (1931), como o Curso de Emergência de Educação Física até o momento em que foi federalizado como curso superior, em 1961, passando a integrar a Universidade Federal do Espírito Santo.
Problemática Anunciada
No levantamento de fontes sobre o ensino de História da Educação Física, foram localizados em periódicos 15 artigos que abordavam o ensino de História da Educação Física e, nos anais de congressos na área da Educação e Educação Física, encontramos quatro artigos, totalizando 19 artigos. Na análise dos textos, foi possível perceber uma baixa produção sobre a temática ensino da História da Educação Física. Até o momento, ela foi pouco explorada pelos estudiosos da área, não havendo ainda uma comunidade discutindo de forma sistemática as estratégias didáticas para se ensinar a História da Educação Física. Percebemos que há uma pulverização de textos sobre o assunto pelos diversos impressos analisados, mas não encontramos explicitação de uma forma para se ensinar, uma metodologia para o ensino da História da Educação Física, marcos teóricos, periodização nem fontes para o seu ensino. Observando essas questões, houve necessidade de entender como foi problematizado e trabalhado o ensino de História no Curso de Formação em Educação Física do Espírito Santo ao longo dos seus primeiros anos.
No Arquivo Permanente foram encontrados 16 documentos que contêm os registros dos principais conteúdos que foram ministrados nas aulas de História da Educação Física, entre as décadas de 1930 e 1960, questões de provas/avaliações de conhecimento e informações sobre os titulares da cadeira História da Educação Física.
Ao manusear esses documentos, foi possível encontrar uma ordem, a qual se materializa por meio da disposição dos conteúdos que deveriam ser ensinados. Na organização com que se apresentam os conteúdos dos materiais analisados, há possibilidade de encontrar suas marcas de origem em duas obras, uma intitulada Histórico da educação física, que teve como um de seus autores o tenente do Exército Carlos Marciano de Medeiros, que foi diretor do Departamento de Educação Física no ano de 1931 e que também ministrava a disciplina História da Educação Física, além das cadeiras de Pedagogia e de Biometria. A outra obra, que possivelmente foi utilizada para periodizar os conteúdos prescritos nos programas de ensino, pelos indícios, parece estar relacionada com o livro História da educação física e dos desportos no Brasil, de autoria de Inezil Penna Marinho. Essa obra busca delimitar o desenvolvimento da Educação Física desde o período da Colônia até a República.
Enquanto o primeiro livro aborda a História da Educação Física de forma mais geral, com o seu desenvolvimento na Europa, o segundo busca dar especificidade à forma como ela foi desenvolvida no Brasil. Desse modo, constituiu-se como matriz para se selecionar e harmonizar o lugar da Educação Física no desenvolvimento dos Estados nacionais, na História do Brasil e nos sistemas de ensino.
Percebemos que a disciplina História da Educação Física objetivava dar aos alunos uma formação ampla, para que pudessem localizar historicamente como cada povo havia organizado seus sistemas ginásticos e, no Brasil, a forma como essa temática aparecia no Período Colonial, no Império e na República.
No corpus documental, procuramos textos que buscassem analisar o ensino de História da Educação Física ou do esporte. Nesse processo de revisão, foram encontrados, entre os anos de 1993 e 1997, nos anais dos Congressos de Educação Física, Esporte e Lazer e do Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte (Conbrace), apenas quatro artigos que abordavam de forma específica o ensino de História da Educação Física.
No primeiro artigo, Hunger (1993) nos aponta que a disciplina História da Educação Física, praticamente, deixa de existir nos currículos no período da ditadura militar, pois a área de Ciências Humanas encontrou obstáculos no decorrer dos anos de domínio militar no Brasil, o que levou muitos professores a desconsiderar a importância desse campo de estudos.
Segundo o autor:
A Educação Física não foi uma exceção à regra. Se reportar às épocas passadas, mais especificamente no que se diz respeito às grades curriculares, a disciplina de História da Educação Física praticamente deixa de existir. Em nossa própria formação profissional (84 a 88), por exemplo, não tivemos tal conteúdo (HUNGER, 1993, p. 63).
Esse questionamento leva-nos a refletir sobre a importância atribuída à História da Educação Física, pois os conteúdos dessa disciplina, no período relatado, sofreram uma desvalorização em relação aos conhecimentos pedagógicos e biológicos. Hunger (1993) classifica a área da História da Educação Física como um campo difícil, pois busca abranger tudo o que se relaciona com a cultura, também abarcando o que se desenvolve na escola e fora dela. Nesse sentido, o ensino se torna bastante complexo, pois a amplitude temática não permite tratar da especificidade da própria área. Isso faz com que se deixe de angariar reconhecimento acadêmico ao ceder espaço para outras discussões, acreditando-se que são mais importantes do que o entendimento histórico.
Em outra discussão sobre a temática encontrada nos anais dos Encontros Nacionais de História do Esporte, Lazer e Educação Física, o pesquisador Melo (1994) nos alerta que devemos ter cuidado ao levantar perspectivas sobre a História, pois a História não pode ser uma simples visão do passado pelo passado. O autor destaca que o estudo da História contribui para as mais diversas interpretações e reinterpretações do presente. Conforme afirma Borges (1980, p. 9), “Para se compreender satisfatoriamente a história como hoje ela se configura, é preciso se recapitular sua origem e seu desenvolvimento. Somente a história pode nos fazer compreender como hoje ela se apresenta”.
Melo (1994), em seus estudos, enfatiza a importância de alguns autores, dentre eles, Inezil Penna Marinho, que foi um dos primeiros a abordar esse tema com profundidade e de forma sistematizada, a partir de sua tese Interpretação histórica da XIV Olímpica de Pindaro. Nessa ocasião, afirmava que pretendia redimensionar o ensino de História. Seus estudos influenciaram outros pesquisadores. Para Melo (1994, p. 262), “Inezil Penna Marinho se constituiu em um marco, embora a sua obra seja passível das mais diversas criticas”.
No Curso de Emergência de Educação Física no Espírito Santo, os conteúdos da disciplina História da Educação Física sofreram influência do Método Francês, assumido oficialmente no Brasil após a Reforma Francisco Campos, em 1931. Tinham como objetivo capacitar teoricamente os alunos para compreenderem os principais métodos e autores mais relevantes.
Os conteúdos da História da Educação Física, no Curso de Formação de Professores de Educação Física na década de 1930, podem ser observados como uma forma de apontar para os estudantes a criação dos métodos ginásticos, sua evolução ao longo do desenvolvimento da humanidade, principalmente ocidental, seus usos para solucionar problemas pontuais, como a degeneração, a falta de vigor para o trabalho e o baixo sentimento de pertencimento a uma nacionalidade. Um uso bem pragmático que tinha como objetivo convencer os futuros professores do seu papel social em uma sociedade em mudança, passando de uma condição agrária para uma situação urbana e industrial.
Nos programas da cadeira de História da Educação Física e Desportos, percebemos que os conteúdos foram extraídos do livro Histórico da educação física, obra que, nesse período, era a principal e mais atualizada fonte de conhecimento. Podemos ver esse uso no plano de ensino sistematizado pela professora Isaltina Paoliello (1939), da cadeira Noções de Psicologia, Pedagogia e Metodologia da Educação Física. Chegamos a essa conclusão ao comparamos as temáticas propostas dos documentos dos programas de disciplinas do Arquivo Permanente, que eram ensinadas na disciplina História da Educação Física, com o conteúdo do livro Histórico da educação física. Na citação a seguir, podemos perceber alguns indícios desse uso da obra para sistematizar uma forma para o ensino de História da Educação Física no curso:
- Primeiro período: Definição – Generalidades – Divisão da História em períodos.
- Segundo período: Clássicos Gregos – Os jogos – Pantencia.
- Terceiro período: O torneio e a justas
- Quarto período: Fatores do Renascimento. Século XIV Prenuncio de uma nova era – Victorino Feltre; Século XV. Maffe Veggio; Século XVI; Mercuriali; Século XVII – F. Bacon, Borelli, Parrault, Da Vince, Fenelon e Hoffmann; Século XVII – J. J. Rousseau, Basedaw, Pestalozzi, Nachetgal, Jahn, Clias, Triat, Laisné e Georgi; Século XIX – George Démeny: apreciação geral sobre os Precursores. – Escóla Amorosianas – Biografia de Amóros - Método Suéco - Biografia da Ling – Concepções de bases – Utilidades práticas.
- Período Contemporâneo: Precussores - sumário do período – Crítica do método Suéco por Démeny – Moderna Critica – A Escóla Francêsa – Características do método, seu cuidado com a Educação Física feminina – Apreciação sobre o método – Paralelo entre a escola francêsa e a ginástica Suéca, vantagens da primeira – Ginástica culturalista – Método natural, crítica – Método esportivo – Método Francês- Eclosão – A Escola de Joinville – a Obra de d’Argy – A Educação Física no Brasil; no meio militar (E. E. F. E.) e nos meio civil, com especialidade no Espírito Santo (PAOLIELLO, 1939, p. 1-3).
Como se pode observar, havia um extenso conteúdo para a disciplina. Esses temas para as aulas da disciplina História da Educação Física correspondiam ao conteúdo contido no livro Histórico da educação física. Aos alunos competia a memorização desses conteúdos, que eram cobrados nas avaliações aplicadas de forma escrita e também por meio das provas orais.
O processo ensino-aprendizagem se dava pela mediação dos conhecimentos que o professor realizava usando o livro Histórico da educação física. Exemplares dessa obra eram distribuídos aos alunos nos primeiros dias letivos. Por meio da estruturação do plano de ensino, podemos supor que possivelmente a proposta de periodização e tematização apresentada na obra dos tenentes era seguida de modo bem exemplar. O programa apresenta de forma bem organizada a mesma ordem de disposição dos conteúdos do livro, que deveria ser considerado didático. Aos professores caberia ministrar suas aulas seguindo o modelo e a ordem dos assuntos da obra, o que deveria tornar oensino da disciplina bem amplo, porém superficial, pois faltaria o tempo necessário para o aprofundamento que se sabe tal abordagem requer.
A intenção do currículo era poder oferecer aos alunos do curso especial uma formação geral que abrangesse uma maior temporização da História, porém, possivelmente, não havia tempo hábil para que se discutissem os assuntos detalhadamente em sala de aula, visto os extensos conteúdos que deveriam ser aprendidos. Os objetivos esperados para os alunos, segundo a ementa do programa de disciplinas, deveriam ser alcançados em 15 dias letivos, que era o período que duravam as aulas, e a cada aula tinha a duração de uma hora.
No decorrer do Curso de Educação Física, entre os anos de 1931 a 1961, ao serem analisados os documentos que expressavam o ensino da História da Educação Física e ao serem comparados os seus conteúdos, é possível perceber que eles são os mesmos. Dessa forma, os escritos sobre a História da Educação Física durante todo o período analisado estiveram relacionados com a obra produzida pelos tenentes. Embora não localizados os registros dos programas da cadeira História da Educação Física e Desportos da década de 1940, que se perderam durante o tempo, é possível perceber que os conteúdos tratados nessa década possivelmente seriam os mesmos da década de 1930. Essa hipótese é levantada, mesmo considerando a falta de registros, em função dos documentos da década seguinte. Ao comparar os conteúdos dos documentos dos programas de disciplinas da década de 1930 a 1960, verificamos que houve apenas um acréscimo nos conteúdos oferecidos aos alunos. Tal acréscimo ocorreu na década de 50, com os escritos de Inezil Penna Marinho, principalmente no que está disposto no livro História da educação física e dos desportos no Brasil.
Na década de 1950, foram localizados os conteúdos da matéria lecionada para o 1º período letivo da turma de 1954, com o “visto” do professor Manuel Carvalho Anchieta, diplomado em Educação Física, pelo Curso Especial de Professores de Educação Física do Estado do Espírito Santo, em abril 1933, e titular da cadeira História da Educação Física, desde dezembro de 1933. Também foram encontradas as provas aplicadas aos alunos dessa turma durante todo o decorrer dessa disciplina. Munidos dessas evidências, é possível fazermos um comparativo acerca dos conteúdos estudados nos primeiros 30 anos do Curso de Emergência de Educação Física no Espírito Santo, em que a principal fonte para a seleção dos conteúdos e autores vinha dos escritos do livro Histórico da educação física (1931). Posteriormente foi acrescentada como fonte a obra de Inezil Penna Marinho, a História da educação física e dos desportos no Brasil (1952).
Para a turma de 1954, na disciplina ministrada pelo professor Manoel Carvalho Anchieta, podemos constatar que os conteúdos aplicados em provas seguiam a lógica do que era expresso como conhecimento a serem assimilados pelos alunos. O programa não informa os recursos empregados, mas podemos supor que era a leitura e a memorização. Dessa forma, as provas deveriam cobrar dos alunos também o uso da memória como fonte para responder às indagações do professor.
Apresentamos a seguir dois documentos que, em forma de listas, expressam os conhecimentos ensinados em História da Educação Física e os pontos cobrados nas provas do primeiro semestre letivo (Figuras 1 e 2):
Figura1 — Documento contendo os assuntos que seriam ministrados durante o 1º período letivo de 1954
Fonte: Arquivo Permanente Cefd/Ufes.
Figura 2 — Conteúdo da 1º prova parcial de História da Educação Física e Desportos
Fonte: Arquivo Permanente Cefd/Ufes.
Neste momento, ao analisar a disciplina História da Educação Física, durante todo o Curso de Emergência para Formação de Professores de Educação Física, compreendemos que as organizações das temáticas disciplinares que foram aplicadas nas aulas se resumem aos Conteúdos Clássicos importados da História Geral.
Segundo Ferreira Neto (1995, p. 100), Conteúdos Clássicos abordam a “Atividade Física na Antiguidade Clássica, as atividades corporais no mundo greco-romano, as atividades corporais em Esparta e Atenas, as atividades corporais em Roma”. Esses eram os principais assuntos focalizados e que são decorrentes do que se considera como Conteúdos Clássicos.
Pelos documentos analisados, podemos destacar que o ensino da disciplina História da Educação Física esteve presente desde a criação do Curso de Emergência de Educação Física no Espírito Santo, em 1931, e fez parte da sua grade curricular como disciplina obrigatória. Ferreira Neto, em estudo realizado no ano de 1995, apresenta-nos os principais objetivos dessa disciplina ao longo dos anos na formação dos professores. Para o autor “[...] a formação geral para a prática social cidadã e a formação específica para a compreensão dos elementos teóricos da prática social dos professores de Educação Física”(1995, p. 99) eram os desígnios que deveriam ser alcançados na formação dos alunos no decorrer do ensino.
Para compreender as representações do que se pensa sobre o ensino de História da Educação Física e o sentido atribuído à disciplina, Melo (1997) busca problematizar a discussão em seu estudo intitulado Por que devemos estudar a história da educação física e do esporte nos cursos de graduação? O autor analisa o desenvolvimento dessa disciplina, fazendo menção à Escola de Educação Física e Desportos (Enefd), desde o ano de sua criação, em 1939. Podemos perceber que os Conteúdos Clássicos ministrados naquela instituição eram similares ao que foi apresentado como objeto de ensino no Curso de Emergência de Educação Física no Espírito Santo, pois a principal fonte, para a História da Educação Física, eram os conteúdos descritos no livro dos tenentes do Exército Laurentino Lopes Bonorino, Antonio de Mendonça Molina e Carlos M. de Medeiros. Essa foi uma obra que teve grande circulação e se tornou uma referência para o ensino da disciplina. Por isso, outros professores se apropriavam desses conteúdos como modelo para dar sustentação e base teórica às suas aulas. Conforme Melo (1997), nos cursos de Educação Física que posteriormente foram criados após a década de 1930, os currículos eram estruturados para que fossem ao mesmo tempo práticos e teóricos. Para o autor, a área deveria proporcionar
[...] condições, por meio de uma preparação teórica aprofundada, para que o aluno possa recriar constantemente sua atuação, a partir da compreensão da realidade que o cerca dos valores do jogo, das especificidades da atuação e das possibilidades de que pode dispor para alcance de seus objetivos. A graduação estaria preocupada em preparar o aluno para pensar/repensar sua atuação, entendendo que há a necessidade de uma compreensão teórica por trás da atuação, que nunca é só prática, mais indissociável teórico-prática (MELO, 1997, p. 740).
Entendemos que a disciplina História da Educação Física possibilitava uma colaboração com o resgate do desenvolvimento das diferentes composições, transformações dos conteúdos e fatos que comporiam a história do homem no tempo. Da mesma forma, ajuda-nos a compreender os caminhos percorridos nos primeiros cursos de Educação Física civis até a consolidação de um currículo que, mesmo com poucas atualizações, atendesse às necessidades de formação dos professores que atuariam no campo daquilo que se entende por Educação Física no Brasil.
Considerações Finais
Neste estudo, ao analisar os programas utilizados entre as décadas de 1930 e 1960, compreende-se que as organizações das temáticas disciplinares que foram aplicadas nas aulas se resumem aos Conteúdos Clássicos importados da História Geral e a uma periodização que pode ser relacionada com o modelo azevediano de demarcação da história brasileira. Dessa forma, percebemos que a disciplina História da Educação Física buscava dar aos alunos uma formação ampla, para que pudessem localizar historicamente como cada povo havia organizado seus sistemas ginásticos. O estudo da História contribui para as mais diversas interpretações e reinterpretações do presente. Conforme afirma Borges (1980, p. 9), “Para se compreender satisfatoriamente a história como hoje ela se configura, é preciso se recapitular sua origem e seu desenvolvimento. Somente a história pode nos fazer compreender como hoje ela se apresenta”.
Ao compreender a História da Educação Física, no Curso de Educação Física entre as décadas de 30 e 60, os alunos deveriam estar aptos a ter conhecimento geral sobre a constituição do que se entende por Educação Física e métodos utilizados. Embora não houvesse naquele momento possibilidades de reinterpretações e questionamentos apontando os problemas das perspectivas de Educação Física empregada, a disciplina estava perfeitamente integrada ao cenário educacional da época, cumprindo o seu papel institucional de formação.
Percebemos que o tema do ensino da História da Educação Física precisa ser discutido com urgência nos cursos de Educação Física, no intuito de trazer o para o debate contemporâneo questões como o que ensinar e como ensinar para que essa disciplina não cumpra apenas um papel pragmático, mas ofereça aos alunos possibilidades para reflexões e debate sobre o lugar da Educação Física no contexto educacional, sem generalizações e mistificações.
Ainda há muitas questões a serem discutidas sobre o ensino da História da Educação Física e lacunas a serem preenchidas, pois pouco foram os pesquisadores que se preocuparam em analisar o ensino dessa disciplina. É preciso continuar explorando e trazendo à tona essa discussão de maneira sistematizada. Apesar de terem sido realizados congressos específicos sobre o tema História da Educação Física, esporte e lazer e mesmo grupos temáticos que abordavam essa questão em grupos de estudos, designados como Memórias da Educação Física e Esporte, não foi percebido um movimento teórico e metodológico que se proponha a pensar e investigar o próprio ensino. Dessa forma, esta pesquisa procura contribuir com a discussão, chamando a atenção para que não se deixem apenas arquivados os preciosos documentos que contam a história da História da Educação Física e Desportos e que nos ajudem a pensar a própria área e da sua história extrair conhecimentos para propor o seu ensino.
Referências
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MELO, V. A. Por que devemos estudar história da educação física e do esporte nos cursos de graduação? In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DO ESPORTE, 10., 1997, Goiânia. Anais... Goiânia: CBCE, 1997.
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SILVA, D. M. C. da. A escola de Educação Física do Espírito Santo: suas histórias, seus caminhos (1931-1961). 1996. 224 f Dissertação (Mestrando em Educação) – Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 1996.
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[1] Para Chartier (1990, p. 17), lutas de representações têm tanta importância como as lutas econômicas para compreender os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor, a sua concepção do mundo social, os valores que são seus, e o seu domínio. Ocupar-se dos conflitos de classificações ou de delimitações não é, portanto, afastar-se do social – como julgou uma história de vistas demasiado curtas, muito pelo contrário, consiste em localizar os pontos de afrontamento tanto mais decisivos quanto menos imediatamente materiais.