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Artigos > Formação Profissional, Currículo e Práticas Pedagógicas em Educação e em Educação Física > LOCATELLI, Andrea Brandão. ; FERREIRA NETO, Amarílio ; VENTURIM, Silvana ; SANTOS, Wagner dos . A pesquisa com o saber docente na educação e na educação física. Motus Corporis (UGF), Rio de Janeiro, v. 10, n. 2, p. 63-83, 2003.

LOCATELLI, Andrea Brandão. ; FERREIRA NETO, Amarílio ; VENTURIM, Silvana ; SANTOS, Wagner dos . A pesquisa com o saber docente na educação e na educação física. Motus Corporis (UGF), Rio de Janeiro, v. 10, n. 2, p. 63-83, 2003.

 

A PESQUISA COM O SABER DOCENTE NA EDUCAÇÃO E NA EDUCAÇÃO FÍSICA

 

Dr. Amarílio Ferreira Neto

Universidade Federal do Espírito Santo – CEFD-UFES

 

Andrea Brandão Locatelli

Prefeitura Municipal de Vitória – ES

 Mestranda em Educação – UFES

 

Ms. Silvana Ventorim

Universidade Federal do Espírito Santo – CE-UFES

Doutoranda em Educação – UFMG

 

Wagner dos Santos

Universidade Federal do Espírito Santo – CEFD-UFES

Mestrando em Educação – UFMG

 

 

RESUMO

Discute as teorias de autores da educação e da educação física sobre o saber docente, explicitando suas categorizações e formas de identificá-lo. Constrói uma narrativa a partir das práticas de ensino cotidianas de professores de educação física e aborda alguns eixos da pesquisa com o saber docente.

PALAVRAS-CHAVE: Saber Docente - Educação Física - Educação

 

INTRODUÇÃO

Nos Estados Unidos, as décadas de 1980 e 1990 foram marcadas pelo movimento de profissionalização do ensino, o qual foi iniciado e defendido por Holmes Group (1986 e 1990), Carnegie Fórum (1986), entre outros. Esses grupos lançaram um apelo aos pesquisadores universitários da área de ciências da educação para que se constituísse um repertório de conhecimentos para o ensino que pudesse garantir a legitimidade e eficácia da ação dos professores (BORGES e TARDIF, 2001).

Segundo esses autores, foi a partir dessa orientação profissionalizante que a questão do saber dos professores alcançou seu desenvolvimento e influenciou as reformas da formação docente (América do Norte, Europa e América Latina), colocando a atuação profissional em lugar de destaque na formação dos professores. A questão dos saberes dos professores tem, a partir de diferentes perspectivas, preocupado os pesquisadores brasileiros, e vem sendo explorada no campo da formação de professores, da didática e do currículo.

Como coloca Oliveira (2001, p. 5):

 

Uma significativa parcela da produção acadêmica sobre a Educação Física escolar - seja de cunho historiográfico, didático-metodológico, formativo, etc. - enfrenta a discussão dos problemas adstritos ao espaço de atuação profissional do professor sem contudo, atentar para aquilo que os próprios professores pensam sobre o que fazem, como fazem, e por que fazem.

 

Neste artigo, discutimos as abordagens teóricas de autores da educação e da educação Física sobre o saber docente, explicitando suas categorizações e formas de identificá-lo. Construimos uma narrativa a partir das diferentes experiências cotidianas de professores de educação física. Por fim, abordamos alguns eixos da pesquisa com o saber docente.

 

OS SABERES DOCENTES NAS PRODUÇÕES DA EDUCAÇÃO E DA EDUCAÇÃO FÍSICA

Nas produções das áreas de educação e educação física, o saber docente tem sido considerado como um saber composto de vários saberes. Na tentativa de organizá-los, autores da Educação têm proposto diferentes formas de identificá-los, criando classificações e tipologias.

Tardif (2002) coloca que a questão dos saberes dos professores situa-se num contexto amplo do estudo da profissão docente, relacionando a sua situação à realidade escolar e social nas quais os professores estão inseridos. Por isso, aponta a necessidade de estudá-lo no contexto do trabalho docente.

Buscando estabelecer a idéia de uma articulação entre os aspectos sociais e individuais do saber dos professores, este autor procura distanciar-se de duas concepções: não reduzi-lo a processos mentais, baseando-se na atividade cognitiva dos professores, e não cair no sociologismo, o que eliminaria a contribuição dos professores na construção concreta do saber (Tardif, 2002).

Desse modo, baseia-se na origem social dos saberes, considerando os lugares nos quais os professores atuam, as organizações que os formam e/ou trabalham, seus instrumentos e suas experiências de trabalho e sua trajetória pessoal de vida. Para tentar dar conta do pluralismo do saber dos professores, propõe um modelo tipológico de identificação e classificação dos saberes:

 

Quadro 1 - Modelo de identificação e classificação dos saberes

SABERES DOS PROFESSORES

FONTES SOCIAIS DE AQUISIÇÃO

MODOS DE INTEGRAÇÃO NO TRABALHO DOCENTE

Saberes pessoais dos professores

Família, o ambiente de vida, a educação no sentido lato, etc.

Pela história de vida e pela socialização primária

Saberes provenientes da formação escolar anterior

A escola primária e secundária, os estudos pós secundários não especializados, etc.

Pela formação e pela socialização pré-profissionais

Saberes provenientes da formação profissional para o magistério

Os estabelecimentos de formação de professores, os estágios, os cursos de reciclagem, etc.

Pela formação e pela socialização profissionais nas instituições de formação de professores

Saberes provenientes dos programas e livros didáticos usados no trabalho

A utilização das “ferramentas” dos professores: programas, livros didáticos, cadernos de exercícios, fichas, etc.

Pela utilização das “ferramentas” de trabalho, sua adaptação às tarefas

Saberes provenientes de sua própria experiência na profissão, na sala de aula e na escola

A prática do ofício na escola e na sala de aula, a experiência dos pares, etc.

Pela prática do trabalho e pela socialização profissional

Fonte: Tardif, 2002, p. 63.

 

Esse quadro demonstra que os saberes dos professores supõem um tempo para serem aprendidos e integrados na prática de trabalho, destacando a importância deste aspecto para a compreensão da genealogia dos saberes.

Gauthier et al. (1998), ao conceber o ensino como a mobilização de vários saberes que formam uma espécie de reservatório, no qual o professor se abastece para responder às exigências específicas da prática de trabalho, propõem uma organização baseada no contexto complexo e real no qual o ensino evolui.

 

Quadro 2 - Os saberes dos professores

Saberes disciplinares

A matéria

Saberes curriculares

O programa

Saberes das ciências da educação

As noções sobre o sistema escolar: conselho escolar, sindicato, carga horária, etc.

Saberes da tradição pedagógica

O uso

Saberes experienciais

A jurisprudência particular

Saberes da ação pedagógica

O repertório de conhecimentos do ensino ou a jurisprudência pública validada

Fonte: Gauthier et al. 1998, p. 29

 

Sobre o saber experiencial, consideram que as experiências profissionais estão confinadas à “jurisprudência particular dos professores” e têm relação com o hábito do trabalho e as atividades de rotina. Desse modo, o que sabem e fazem os professores serve para justificar o seu trabalho e a sua maneira de agir. Apontam assim uma limitação desse saber, pois sendo ele privado, sem uma comprovação sistemática como em outras profissões, não contribui para o aperfeiçoamento da prática docente (Gauthier et al., 1998).

Nesse sentido, criam o conceito de “saber da ação pedagógica”, no intuito de determinar um repertório de conhecimentos profissionais para o ensino, validado por meio de pesquisas realizadas em sala de aula, apoiando-se no saber experiencial dos professores.

Dada a complexidade da prática educativa e suas permanentes tensões, os professores precisam decidir sobre as ações que se colocam. Os autores sugerem, que o professor se apóie num corpo de conhecimentos que lhes dê “[...]...um papel preponderante, apoiando-se naquilo que ele produz no exercício de sua profissão em contexto real, sem deixar de ser crítico em relação a esse produto” (Gauthier et al., 1998, p. 400).

Os saberes da ação pedagógica aparecem como um novo tipo de saber essencial ao trabalho docente, constituindo os “fundamentos da identidade profissional do professor”. Será a partir da validação por meio de pesquisas, que esses saberes poderão servir à prática pedagógica, como um reservatório de conhecimentos. Os autores defendem a profissionalização do ensino, sendo, para tanto, necessária a explicitação dos saberes dos professores e sua aceitação pelos outros atores sociais.

Importante ressaltar que em Tardif (2002) e Gauthier et al. (1998) os conceitos saber da experiência e saber da ação pedagógica aparecem designando os saberes que são produzidos pelos professores na relação que estes desenvolvem com seus pares na prática pedagógica e que constituem os saberes mais necessários ao desenvolvimento profissional, uma vez que esses são construídos para além da experiência particular de cada professor.

Caldeira (2001) também vem reconhecendo em seus estudos a complexidade e o caráter polissêmico da noção de saber docente. Baseando-se nas produções de Tardif (2002) e Gauthier et al. (1998), indica que o saber docente cotidiano “[...] está constituído tanto pelo conhecimento científico como pelo saber da experiência” (p. 98).

Refere-se aos “saberes docentes cotidianos” como aqueles construídos e apropriados pelos professores ao longo de sua trajetória profissional e pessoal, resultantes de sua prática, reflexão e experimentação. Distingue os saberes docentes cotidianos dos conhecimentos adquiridos em curso de formação inicial ou continuada, que se tentam aplicar à prática, bem como dos saberes concebidos a partir de um trabalho individual dos professores. Ao conceber o indivíduo da vida cotidiana como um sujeito que se constitui em diferentes contextos sociais e históricos, considera que seus saberes não emergem no vazio, mas em determinado tempo e espaço. Desse modo, conceitua o saber docente como

[...] o conhecimento específico sobre o ensino que os professores, como sujeitos, constroem durante seu trabalho na escola. Portanto, é no trabalho cotidiano na sala de aula e no processo de reflexão sobre seu trabalho que os docentes se apropriam e constroem os saberes de que necessitam para desenvolver o processo de ensino-aprendizagem (CALDEIRA, 2002, p. 6).

Nesse sentido, considera que o saber docente cotidiano é válido e necessário para diminuir a distância entre a formação acadêmica e a realidade escolar, propondo a superação da dicotomia teoria e prática nos processos formativos.

Borges (1998) considera o distanciamento entre a formação acadêmica e a realidade escolar como um ponto de partida para analisar o problema da fragmentação na relação teoria e prática que ocorre nos cursos de formação de professores de educação física. Aponta o trato com o conhecimento como pano de fundo da problemática da formação, uma vez que os saberes são percebidos como resultados da produção científica e alheios à formação dos professores.

Com base na idéia que a construção dos saberes tem origem em fontes diversas, a autora indica que a valorização dos saberes da experiência pode ser uma alternativa para se buscar um estreitamento dos vínculos da relação teoria e prática. Ela destaca a trajetória de vida dos professores de educação física, como um elemento de compreensão da prática pedagógica. O estudo dos casos de dois professores mostra os fatores que implicaram na construção do saber docente e na prática pedagógica: referências escolares e esportivas, conhecimentos adquiridos no curso de formação, experiências vividas nas instituições escolares em que atuaram e atuam, pessoas e grupos que marcam suas trajetórias, o lugar da educação física no currículo, entre outros.

Por isso, essa autora propõe que os processos formativos dêem legitimidade aos saberes da experiência, buscando problematizá-los no contexto da formação inicial, ouvindo os professores a partir de suas experiências acumuladas em suas trajetórias.

Almeida Júnior (2002) ao tratar da construção dos saberes na prática do trabalho, descreve e analisa o movimento de apropriação e produção do saber docente cotidiano na educação física, explicitando os saberes construídos durante o processo de ensino do esporte. Destaca a importância do saber docente cotidiano na construção dos saberes, afirmando que os professores, ao utilizarem e mobilizarem os saberes que foram apropriados ao longo de sua trajetória profissional, têm a possibilidade de reavaliá-los, negando alguns e integrando outros, produzindo desse modo novos saberes.

Nesse sentido, considera-se próximo das proposições elaboradas por Caldeira (2001) ao entender que o saber do professor é o resultado da sua experiência, num processo de reflexão coletiva, na qual se articulam a história social com a história pessoal do professor, bem como suas relações com os alunos e com os diversos sujeitos sociais do cotidiano escolar.

Encontramos em Bondía (2001) suporte teórico sobre a experiência e o saber da experiência, quando explora a possibilidade de pensar a educação a partir do par “experiência/sentido”. Ao sugerir que a experiência não é o que acontece, mas o que nos acontece,distancia-se de algumas perspectivas:

  • A experiência precisa ser separada da informação, uma vez que, essa não é o “saber de coisas”, pois ao nos informarmos, sabemos de coisas que não sabíamos antes, mas nada nos aconteceu além de ficarmos informados.
  • A experiência é cada vez mais rara por excesso de opinião. A opinião tornou-se uma obrigação, um imperativo a partir da informação, anulando a possibilidade da experiência e ocupando o espaço do acontecer. A opinião é uma reação subjetiva ao objetivo, a informação. Esse dispositivo torna impossível a experiência.
  • A experiência supõe um tempo, e esse tem sido raro frente à velocidade que caracteriza o mundo moderno, impedindo a conexão significativa entre os acontecimentos.
  • A experiência é distinta do trabalho. Nessa atividade de querer sempre estar mudando, fazendo, desejando, produzindo e regulando algo, encontra-se um sujeito cheio de vontade, sempre mobilizado e em atividade, que não pode parar. Não podendo parar para ‘sentir’ o que o cerca, também nada pode acontecer.

Ao salientar que nada acontece quando tem-se um sujeito da informação, da opinião, do trabalho, do fazer, do querer, do poder e do julgar, indica que a experiência tem outro sentido, ou seja, é o que nos acontece. Acreditando nisso, entende que o acontecimento é comum, mas a experiência é para cada qual singular e o saber que dela emerge “[...] é um saber que não pode separar-se do indivíduo concreto em quem encarna” (Bondía, 2001, p. 27).

O autor trata o saber da experiência como aquilo que “[...] se adquire no modo como alguém vai respondendo ao que lhe vai acontecendo ao longo da vida e no modo como vamos dando sentido ao acontecer do que nos acontece” (p. 27). O sentido ou o sem-sentido dado aos acontecimentos de cada pessoa tem relação com um saber “[...] particular, subjetivo, relativo, contingente, pessoal ” (p. 27).

Indica-nos, portanto, que para tratarmos do saber da experiência é necessário considerarmos a experiência de cada um, ainda que esta aconteça para duas pessoas, pois acredita que este saber “não pode separar-se do indivíduo concreto em quem encarna” e não está

[...] como o conhecimento científico, fora de nós, mas somente tem sentido no modo como configura uma personalidade, um caráter, uma sensibilidade ou, em definitivo, uma forma humana singular de estar no mundo, que é por sua vez uma ética (um modo de conduzir-se) e uma estética (um estilo) (Bondía, 2001, p. 27).

O trabalho dos autores citados trata do saber dos professores compreendendo-os de uma forma privada e pública, ou seja, apontam a experiência particular de cada um na construção e reconstrução dos saberes e indicam a possibilidade dessa experiência ser compartilhada com os pares na profissão, caracterizando saberes que dêem legitimidade aos professores e às práticas pedagógicas.

Nesse sentido, a prática é destacada como o lugar em que os professores têm a possibilidade de desenvolver seus saberes, a partir de uma realidade concreta que lhes permitam mobilizar, avaliar, reavaliar e experenciar saberes de sua profissão, criando assim os seus modos de fazer e ser frente às necessidades circunscritas ao trabalho pedagógico.

 

O SABER DA EXPERIÊNCIA E A PRÁTICA DA ESCOLA

Discutimos aqui a questão do saber dos professores e suas experiências na prática pedagógica a partir de uma inserção junto aos professores de educação física atuantes no contexto escolar de uma Escola Municipal de Ensino Fundamental de Vitória-ES.

A escola funciona com 12 turmas, de 1ª a 8ª séries, nos turnos matutino e vespertino. Em cada turno atuam dois professores: um nas séries iniciais (1ª a 4ª séries) e outro nas séries finais (5ª a 8ª séries). Dos quatro professores que atuam na escola três são efetivos na rede de ensino e um contratado temporariamente. Cada professor trabalha com seis turmas com três aulas semanais, perfazendo 18 aulas. É destinado para o planejamento didático um dia de trabalho na escola e um grupo de estudos no qual são reunidos os demais professores das outras áreas e o corpo técnico escolar.

No contexto observado percebemos que a trajetória profissional de cada um dos quatro professores que atuam na instituição, influencia na produção dos seus saberes e dos saberes dos demais professores.

O primeiro professor tem envolvimento com treinamento esportivo na e escola (projeto extra-classe) e também fora dela. Ele traz no seu discurso e na sua concepção de ensino elementos que revelam a proximidade com o treinamento de alto nível. Fica claro que suas atividades trazem modos de ser que tem relação com a experiência de formar atletas, seja na preparação psicológica e de habilidades individuais, seja na preparação de um “espírito de equipe”. É desse “chão” de experiências que o professor constrói e reconstrói seus saberes no contexto escolar.

O segundo e o terceiro professores possuem uma trajetória marcada pelas influências das escolas nas quais já atuaram e por esse próprio contexto (estão na escola há mais de cinco anos). Muitas são as relações vividas com diferentes profissionais que atuam e já atuaram nesta e em outras escolas. Também são vários e diferentes os projetos políticos-pedagógicos vividos em outras unidades escolares, colaborando nesse processo. Essa “bagagem” permite-lhes avaliar e reavaliar saberes já produzidos assim como aqueles que estão sendo experenciados.

O quarto professor traz a atuação em academias de ginástica e o treinamento de alto nível na Ginástica Olímpica como marca de sua trajetória. O professor está atuando pela primeira vez na instituição escolar (há quatro meses) e a construção da sua prática tem sido marcada pela aproximação aos seus pares e dos manuais didáticos que indicam atividades para crianças. Sua prática tem sido marcada por “experimentações” das informações apreendidas nos manuais e uma vivência num contexto novo e diferente, o qual traz possibilidades novas para o desenvolvimento dos seus modos de fazer e ser.

Entendendo a escola como “espaço e tempo de criações próprias[1], os saberes dos professores movem-se nas freqüentes necessidades do cotidiano escolar e são recriados pelas condições que são impostas no espaço educativo do trabalho. As condições deste espaço contribuirão no desenvolvimento do saber da ação pedagógica, uma vez que, ao mesmo tempo, cada um dos quatro professores, a partir dos saberes desenvolvidos em suas trajetórias individuais, também se envolve ou é envolvido pelas demais ações da escola.

O tempo e o espaço no qual esses professores se encontram na escola sugerem as permanentes trocas, avaliações e construções de novos saberes. Os encontros informais antes do horário de trabalho, a divisão do espaço e dos materiais de trabalho, o recreio dos professores e suas conversas sobre as aulas e os alunos, os planejamentos específicos da área de educação física e os planejamentos com todo o grupo de professores da escola, os grupos de estudos organizados no local de trabalho, as relações com o corpo técnico e administrativo nas decisões e ações na escola, a relação com os alunos, enfim, todas as relações travadas com os atores e espaços da escola contribuem para que as experiências e os saberes que constituem cada professor sejam reelaborados na medida das necessidades do projeto político pedagógico.

O projeto político pedagógico foi desenvolvido a partir do momento político e histórico da comunidade da escola e é seu eixo norteador. Esse projeto tem contribuído para a construção de “sentidos”[2]para esta escola, assim como para a construção dos novos, outros e diferentes saberes dos professores. Ainda que, nem todos os quatro professores considerem essencial pensar suas práticas à luz de um eixo norteador construído no seio da história e cultura escolares, de algum modo esses professores são convidados a justificar suas práticas e conseqüentemente a construção dos seus saberes no envolvimento com o contexto particularizado da escola.

Nesse sentido, entendemos ser importante perguntar: Os saberes disciplinares dos referidos professores são atravessados pelos sentidos que são construídos dentro da escola, ou seja, pelas relações profissionais com os seus pares, passando pelos sentidos trazidos e construídos pelos alunos até o sentido perspectivado pelo projeto político pedagógico da escola?

Um indício do que vimos falando é a divisão do espaço de trabalho pelos dois professores que atuam em cada um dos dois turnos da escola, que marca uma possibilidade de construção de novos saberes. Uma possibilidade a servir de exemplo, é o fato da escola só ter uma quadra disponível, o que implicou no uso alternado a cada semana entre os dois professores. Esta situação, fez com que um dos professores tivesse que replanejar o ensino do conteúdo handebol para aulas na quadra e no pátio. O planejamento das aulas sobre esse conteúdo precisou ser organizado, de forma que, fora do espaço da quadra o professor alterasse a abordagem do conteúdo, distanciando-se da perspectiva técnica com a qual vinha trabalhando, ou seja, de treinamento dos seus alunos na modalidade. O conhecimento que o professor desenvolveu até aquele momento foi recriado, alterado e repensado, pois o espaço real para o desenvolvimento daquela atividade, semana sim, outra não, era um pátio com árvores no meio e um piso irregular.

O ensino do jogo de handebol foi submetido às particularidades do espaço e tempo educativo, exigindo a construção de novos saberes disciplinares que pudessem adaptar-se às necessidades impostas. Criar outras formas de trabalhar o handebol num espaço diferente daquele previsto nos manuais didáticos, requer que o professor desenvolva uma ação de diálogo com os saberes disciplinares, com os alunos, com os outros professores e com a escola para encontrar outros sentidos para essa prática nesse lugar e tempo educativos.

As pesquisas sobre a cultura docente dos professores de educação física têm demonstrado que seus contornos estão articulados a

[...] suas relações no local de trabalho, a tipologia da escola, sua relação com os conteúdos da disciplina (p. ex. práticas esportivas preferidas) e com outros conteúdos mais gerais (p. ex., conhecimento didático-pedagógico), sua trajetória pedagógica e trabalhista como processo de formação e suas características socioculturais e políticas [...] (MOLINA NETO, 1998, p. 72-73).

A cultura docente e a subcultura da educação física são ingredientes de identidade que possibilitam a ampliação do envolvimento dos professores de educação física

[...] na complexa micropolítica da escola, para enfrentar o etnocentrismo de outras disciplinas poderosas no interior da cultura pedagógica, para manejar os conflitos conseqüentes desse processo e para [integrarem-se] comunicativamente no complexo macrossocial” (MOLINA NETO, 1998, p. 73).

Aproximar-se do conceito de Molina Neto (1998) sobre a cultura docente indica-nos uma possibilidade para pensarmos sobre o que fazem os professores na escola e como se constituem os saberes de suas experiências, revelando as particularidades do trabalho do grupo de professores de educação física e inserindo-as no contexto maior da escola e da sociedade.

Desse modo, o saber da experiência constitui-se na e pela experiência particular de cada professor, dos saberes curriculares e disciplinares, e é ressignificado na medida em que passa a dialogar com o contexto de ensino, desenvolvendo dessa forma o saber da ação pedagógica.

 

A PESQUISA COM O SABER DOCENTE

O argumento defendido de que a compreensão do saber docente se faz melhor na e com a aproximação das práticas dos professores, sustenta a composição dos elementos teórico-metodológicos para a pesquisa, validando o saber do professor como base para a pesquisa educacional, legitimando-a. De fato, nesse terreno, como problema e condição necessária, o que importa é levar em conta o papel do professor nesse processo e o lugar que ocupam os seus saberes e seus interesses. A articulação epistemológica, política, social e cultural, entre teoria e metodologia engendra o processo que é a própria prática ou, o que denominamos, de uma nova epistemologia da prática docente.

A construção da pesquisa com o saber docente se constitui sob um contexto de múltiplas razões, inclusive, na trajetória da pesquisa educacional, na qual se destaca uma evolução da identidade/papel do professor em situação de pesquisa e da sua prática investigada. De objeto a sujeito participante, colaborador e propriamente pesquisador[3]e de contexto fonte/aplicador a contexto produtor, o professor e a sua prática, conquistam ou ressignificam seus lugares. Essa evolução se assenta na problematização dos paradigmas de ciência, particularmente, no que se refere à transformação da natureza da produção de conhecimentos sobre o ensino, o que pressupõe questionar o estatuto da pesquisa educacional.

São recorrentes na literatura as críticas às concepções formalistas, objetivistas e dogmáticas da pesquisa e suas implicações epistemológicas, éticas e políticas para as práticas educativas. Os enfrentamentos a essa questão ? que propõem a pesquisa como prática social, como processo histórico e coletivo, circunscrita em relações de poderes ?, são visualizados no debate sobre a abordagem qualitativa da pesquisa. Dessa abordagem emergem diferentes enfoques sobre análises teórico-metodológicas críticas e interpretativas das singularidades das situações de pesquisa, bem como da intencionalidade político-social emancipadora que expressam um movimento político e conceitual de avaliação e proposição da tarefa de investigar o trabalho docente.

Notadamente no campo da formação de professores, as pesquisas vêm focalizando o professor-sujeito, a cultura e o cotidiano escolar, a história de vida e a identidade profissional, o saber/fazer de experiência, enfim, uma diversidade de facetas que valoriza a dimensão interpretativa da produção de conhecimentos na educação. Como diz Gauthier et al. (1998, p. 122-123): “Uma conquista importante das pesquisas sobre o ensino foi ter tomado a sala de aula e suas interações como objeto de estudo”.

Nesse contexto, as questões referentes à divisão entre pesquisa e docência, entre academia e escola e às abordagens metodológicas utilizadas no desenvolvimento de pesquisas nas escolas, bem como à participação dos professores nesse processo ganham destaque. De forma geral, a perspectiva de estudos com o saber docente contrariam a visão de professor como consumidor de conhecimento, transmissor e executor do ensino, ou seja, questiona a visão instrumental da prática e propõe a articulação entre conhecimento e ação. Com isso, o papel do professor se dirige para a produção de saberes e para a construção da sua autonomia profissional.

Zeichner (1993), critica a concepção de professores como técnicos que se limitam a uma participação passiva nos processos educativos, em específico, como consumidores de investigações advindas de fora da sua realidade concreta. O descaso com o conhecimento prático do professor é uma expressão dessa visão.

Há nessa perspectiva de crítica a busca de rompimento com a visão mecânica entre a teoria = universidade e prática = escolas, entendendo as escolas equivocadamente como um mero espaço de tradução e aplicação das teorias. Contrariando esse sentido único da relação teoria e prática, o autor pressupõe uma relação dialógica em que tanto a teoria como a prática se informam. A necessidade de trazer para a superfície as teorias práticas do professor permite a Zeichner (1993, p. 21), argumentar que

Os professores estão sempre a teorizar, à medida que são confrontados com os vários problemas pedagógicos [...] a teoria pessoal de um professor sobre a razão por que uma lição de leitura correu pior ou melhor que o esperado, é tanto teoria como as teorias geradas nas universidades sobre o ensino: ambas precisam ser avaliadas quanto à sua qualidade, mas ambas são teorias sobre a realização de objectivos educacionais. Na minha opinião, a diferença entre teoria e prática é, antes de mais, um desencontro entre a teoria do observador e a do professor, e não um fosso entre teoria e prática (grifo do autor).

Sobre a relação pesquisa e prática do professor, Zeichner (2000) entende a pesquisa colaborativa como um caminho para superar a divisão entre professor e pesquisador, onde os resultados das investigações dos professores podem ser tratados como conhecimentos educacionais. Das relações colaborativas emergem parcerias e comprometimentos com as mudanças, tanto no processo de pesquisa e de ensino como no desenvolvimento profissional e social dos sujeitos e das instituições participantes. Do ponto de vista epistemológico e político, reconhece-se a legitimidade do saber do professor, sujeito produtor de conhecimento, e se pressupõe o ensino como prática social.

A relação entre profissionalização do ensino e pesquisa e, daí o aperfeiçoamento da prática docente, baliza a discussão de Gauthier et al. (1998), ao defender que o ensino se apóia sobre um “repertório de conhecimentos próprios à sua prática” e que a sua determinação deve ser feita pela análise do trabalho docente em seu contexto real. Isso quer dizer que o papel da pesquisa sobre o trabalho docente, a “pesquisa pedagógica” (MARTINEAU; GAUTHIER 1999), se refere ao reconhecimento da legitimidade das práticas e dos discursos dos docentes em três aspectos: 1) a pesquisa revela a coexistência de racionalidades expressas na prática, o que sugere a recusa às posições hegemônicas, já que o ensino não se limita à aplicação de regras científicas; 2) a pesquisa desequilibra a posição dos atores do processo pedagógico quando provoca a dúvida, o questionamento, a avaliação e a auto-avaliação; e 3) ela evidencia  o trabalho de campo como condição para validar as representações dos atores, ou seja, “[...] fazer a pesquisa de campo é admitir que não pode haver teoria da pedagogia que possa explicar completamente a atividade pedagógica e que seja aplicável diretamente na prática” (MARTINEAU; GAUTHIER, 1999, p. 42).

Essa pesquisa feita in loco e, quiçá feita com e/ou pelo próprio professor, deve se comportar como instrumento não somente de descrição, crítica e compreensão das práticas, mas de articulação entre conhecimento e intervenção ? pesquisa sobre e para a prática, mas sobretudo, pesquisa com a prática.

A concepção de “pesquisa-que-procura” de Corazza (2002) fornece outras pistas para nossa reflexão: Por que se procura? Como se procura e o que se procura? são questões que problematizam essa concepção. Percebe o professor como um intelectual público da educação e, ao mesmo tempo, resiste à tradicional forma moderna de ensinar e pesquisar. Propõe o ressignificar o já significado, desconstruir o construído, desnaturalizar o tido como natural, suspeitar das verdades e das certezas, historicizar o determinado, como expressões da ligação ensino e pesquisa na prática docente. Assim a autora se posiciona sobre a “pesquisa-que-procura”:

 Ao problematizar o que não era nenhum problema, nem problemático, para as outras formas de ensinar e de pesquisar, fazemos a pesquisa-que-procura e ensina [...] porque já não podemos mais receber e aceitar os conhecimentos, linguagens, formas de raciocínio, técnicas normativas, tipos de experiência da docência moderna... sem questioná-los. Porque sabemos que, quanto e como estão vinculados a relações de poder, de saber e de verdade, que atravessam os corpos e almas para sujeitá-los; e também que, quanto e como configuram certos estilos de ensinar, de viver e de ser,e não outros. Porque estamos insatisfeitos e insatisfeitas com os seus cálculos, intervenções, racionalidades políticas, jogos estratégicos de sujeição, técnicas de individualização, procedimentos de totalização, tecnologias de governo do estado, dos/as outros/as e de nós mesmos/as (CORAZZA, 2002, p. 59).

Novos sentidos, novas teorias que emergem de uma metodologia que pressupõe o diálogo entre o objeto e a sua teorização na “pesquisa-que-procura”, isto é, esses novos sentidos da “pesquisa-que-procura” e ensina são saberes que não sabem tudo; encontram-se abertos, são invenções e não comprovações do já sistematizado. Especialmente, isso fica bem próximo da visualização da pesquisa com o saber docente, isto é, o não propósito da produção do conhecimento com/pelo professor ter a responsabilidade com as “soluções” das problemáticas da educação, mas de contribuir com a construção de novos sentidos, “novas leituras e escrituras”, novas práticas a serem problematizadas e cotejadas com novas explicações teórico-práticas. Logo, procura-se e ensina-se, com outras formas de olhar, de ler, de escrever, de sentir e de dizer, problemáticas não vistas, não ditas, não sentidas... Ensinar e pesquisar de modo “criativo-inventivo-artístico”.

Nessas considerações está presente a proposta de uma pesquisa inventiva e criadora, onde o professor é sujeito e a prática é um contexto produtor de problemas. Assim a pesquisa pode modificar as representações sobre a prática e mesmo a própria prática. Como sugere Martineau; Gauthier (1999), a pesquisa pedagógica serve de base de discussão, guia de leitura e interpretação para desenvolver um saber sobre e para a ação.

Para Esteban (2003), a nova epistemologia da prática docente se faz interligada a uma reelaboração metodológica. Já Pérez (2003) argumenta que a pesquisa é concebida como uma prática de formação e as práticas de formação como instrumentos de investigação. Para essas autoras, a dimensão formadora do processo de pesquisa com o cotidiano escolar recusa qualquer abordagem metodológica que se constitua aprioristicamente, pois esse cotidiano é singular, plural, efêmero, instável e complexo. Nele a pesquisa deve ir se delineando como possibilidade, como um devir histórico em que interações, desvios e mudanças podem surgir.

Há um conjunto de obras brasileiras importantes publicadas no final de 1990 e início de 2000 que têm investido “novos e diferentes olhares” sobre outros caminhos de pensar e fazer pesquisa, como Costa (2002a), Costa (2002b), Garcia (2003) e Zago; Carvalho; Vilela (2003).[4]Esses investimentos expressam o cuidado que o trabalho de pesquisa exige. Tensionando perspectivas, subvertendo conceitos e contextos, esses trabalhos discutem caminhos da pesquisa para além da compreensão das questões metodológicas, sobremaneira, a dimensão política e ética das relações de interesses e poderes subjacentes à produção científica. De modo geral, a partir dos estudos analisados sobre a relação pesquisa e prática docente podemos situar essa reflexão em algumas notas essenciais de pesquisa com o saber docente na área da educação, que certamente sugerem importantes argumentos para os estudos no campo da educação física:[5]

  • considerar que a crise de paradigmas epistemológicos que ao contrariar o cientificismo, a pretensa soberania do fenômeno científico e a sua mercantilização, provoca diferentes possibilidades de apreender, organizar e transformar a ciência; as disputas entre racionalidades científicas (ou não científicas) são disputas societais e, portanto, políticas e que isso só é possível se estiver relacionado com a transformação social dos modos de organizar a sociedade, que envolvem essencialmente relações de poder;
  • questionar a visão unitária de mundo, de educação e de pesquisa, de modo a romper com a relação normativa, prescritiva e homogenizadora entre prática social/educacional e resultados de pesquisa;
  • proporcionar o diálogo e o confronto entre teorias diferentes a fim de interrogar e rever modelos e conceitos solidificados pelas tradições; fazer uso do risco, da inventividade, da complementaridade e da pluralidade nos dizeres e fazeres das investigações; Paulo Freire, Boaventura de Souza Santos, Michel Foucault, Edgar Morin, Jorge Larrosa, Hans-Georg Gadamer, Michel de Certeau e Carlo Ginzburg são interlocutores recorrentemente usados nos diferentes enfoques dos trabalhos do conjunto de obras citado anteriormente;
  • tomar como objeto de investigação o processo de pesquisa sobre a prática docente, pois ela significa a própria prática, ela já é uma intervenção que deve ser permanentemente avaliada por todos os seus atores numa perspectiva de trabalho coletivo e orgânico; a perspectiva colaborativa de pesquisa entre instituições e entre sujeitos parece ser uma alternativa, mas deve-se pressupor que o conceito de colaboração se amplie para o reconhecimento dos saberes dos professores e não apenas como uma associação entre pesquisadores e professores da educação básica, o que implica considerar o professor como participante de todos os momentos da pesquisa; ele não é mais apenas informante;
  • defender a pesquisa no campo da educação, particularmente com o saber docente, é argumentar pela aproximação entre pesquisadores e professores, entre pesquisa e prática, a fim de somar esforços para construção de um conhecimento mútuo e de um encontro entre suas teorias e suas práticas (saberes/fazeres emergentes e/ou subjacentes), onde se ensina e se aprende pela mediação da pesquisa na complexidade e pluralidade do contexto. Os atores, produtores de saberes que são, os professores não podem estar distantes dos processos de produção de saberes e de definição da própria prática docente, pois o “ir a campo” significa essencialmente “validar as representações da profissão” com os professores no seu tempo/espaço e não a priori. A escola, mesmo com dificuldades na sua autonomia, é o locus privilegiado para a pesquisa se materializar como instrumento de formação de professores e transformações em seus projetos político-pedagógicos;
  • considerar que o processo da pesquisa com o saber docente do/no/sobre/com o cotidiano escolar requer abertura diante da complexa tarefa de apreender o real e, por isso, não se pode estar fixado em uma teoria ou a roteiros pré-estabelecidos, mas permitir que a constituição dessa metodologia emerja do movimento da prática, que acima de tudo, exige negociações, desvios, mudanças, recuos e que, necessariamente, transite pelos detalhes e pormenores pouco privilegiados, mas potencialmente “explicativos” da totalidade da prática docente; o hibridismo e a “insustentável leveza” da dinamicidade dessa abordagem de pesquisa não dispensa a rigorosidade teórico-metodológica inerente à responsabilidade ética, política e social do fazer investigativo.

Está posto, então, o desafio de busca de outras formas de pesquisar com o saber docente. Em síntese tomar o professor e seus saberes em sua prática pedagógica, considerada como espaço/tempo de criação e reinvenção de saberes, reconciliando e superando velhas dicotomias, requer o entendimento de um novo papel para esse sujeito. A pesquisa com o saber docente pretende, dentre outras questões, recolocar o professor no lugar do sujeito que possue, mobiliza e produz saberes específicos. Enfim acreditar na potencialidade emancipatória da relação pesquisa e prática/saber docente, pois ela pode implicar desenvolvimento profissional, melhoria da prática e produção de conhecimento com o ensino da Educação Física.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Percebemos no quadro teórico apresentado que, tratar o saber docente requer investigá-lo no contexto da prática de ensino no qual os professores vivenciam experiências concretas e tem possibilidades de dar sentido ao processo de ensino. Contudo é preciso atentar para as experiências que são construídas na escola, no sentido de analisarmos o que vem acontecendo em meio ao tempo/espaço dos professores, às concepções de conhecimento dos professores – muitas opiniões sobre muitas informações – e a freqüente necessidade criada no meio educativo de querer aproximar-se do “novo”, correndo o risco de perder a oportunidade de significativas conexões entre as produções já realizadas na prática escolar.

Faz-se necessário reconhecer também que, ainda que os professores vivenciem o mesmo tempo escolar, troquem experiências com seus pares, criem suas práticas no seio da coletividade da comunidade escolar e orientem-se pelo mesmo programa de ensino, produzindo dessas formas os seus saberes, estes devem ser considerados a partir da experiência de cada um, pois o saber da experiência relaciona-se à situação particular de cada indivíduo e necessita ser investigado a partir dessa perspectiva. Todavia, é pelo compartilhamento/troca dessas experiências particulares na esfera pública e coletiva que se constrói a possibilidade da transformação das práticas de sala de aula pela adoção do saber da ação pedagógica.          

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência

Amarílio Ferreira Neto

Caixa Postal 01-9030

ACF-Campus Universitário

Vitória – Espírito Santo

CEP: 29075-973



[1]Cf. Carvalho (2002). A autora indica que os espaços e tempos da escola precisam ser considerados a partir de autorias definidas, personalizadas e individualizadas dos atores que nela se encontram.

[2]Em Alves e Garcia (2002) o sentido da escola é construído pela ação cotidiana dos sujeitos os quais organizam múltiplas redes de sentido.

[3]Destacamos o movimento do professor pesquisador que reconhece a importância da pesquisa na formação e no trabalho docente, considerando o papel ativo e crítico do professor como sujeito investigador.

[4]Não poderíamos deixar de mencionar a influência para a discussão sobre a pesquisa social e educacional de autores como Carlos Rodrigues Brandão, Paulo Freire, Justa Ezpeleta, Elsie Rockwell, René Barbier, Menga Lüdke e Marli André. De certa forma as obras desses autores representam um importante movimento de crítica ao paradigma positivista de ciência.

[5]Exemplos do que se faz e como se faz pesquisa nessa área mais recentemente podem ser vistos em: Molina Neto (2003; 1999); Molina (1999); Molina e Molina Neto (2001); Devide e Rizzuti (2001); Bracht et al. (2003); Oliveira (2003) e Vago (2003). As distinções entre os modos de fazer, podem ser indiciadas pela continuidade em nossa área das pesquisas sobre/no/do, que terminam por especializar-se em gerar diagnósticos sobre/no/do cotidiano escolar, sem entretanto, auto-permitirem-se, cooperativamente pela divisão/troca pública dos saberes das experiências sociais dos participes (Tardif), a constituição dos saberes da ação pedagógica (Gauthier), que são os saberes que possibilitam o auto-reconhecimento profissional do professor como produtor de saber a partir do seu local de trabalho pedagógico e a mudança das práticas escolares de sala de aula. Como sabemos, todas contribuições são bem vindas, mas não podemos “morrer” na empiria e especulação.

Instituto de Pesquisa em Educação e Educação Física (PROTEORIA), http://www.proteoria.org
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Prévia do artigo LOCATELLI, Andréa Brandão; FERREIRA NETO, Amarílio; SANTOS, Wagner dos. A teoria do saber docente na educação e na educação física. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DO ESPORTE, 13., 2003, Caxambu-MG. Anais... Caxambu-MG: CBCE/Autores Associados, 2003. 1 CD-ROM. FERREIRA NETO, Amarílio; SANTOS, Wagner dos; VENTORIM, Silvana; LOCATELLI, Andrea Brandão. Pesquisa com o cotidiano da educação física. In: II Congresso de Educação Física e Ciências do Esporte do Espírito Santo, 2004, Vitória. II Congresso de Educação Física e Ciências do Esporte do Espírito Santo. Vitória : Secretaria Estadual do Colégio Brasileiro de Ciência do Esporte, 2004 Próximo artigo
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