FALCÃO, J. M. ; VENTORIM, S. . PESQUISA E ENSINO NA E COM A PRÁTICA DA EDUCAÇÃO FÍSICA: A CONSTRUÇÃO DO ENSINO DO BASQUETE DE RUA. In: Seminário Nacional Sociedade, Corpo e Cultura, 2008, Vitória (ES). Seminário Nacional Sociedade, Corpo e Cultura. Vitória (ES) : CESPCEO, 2008. v. 1.
PESQUISA E ENSINO NA E COM A PRÁTICA DA EDUCAÇÃO FÍSICA: A CONSTRUÇÃO DO ENSINO DO BASQUETE DE RUA.
Profª Drª Silvana Ventorim (UFES)
Profª Júlia Miranda Falcão (UFES)
Resumo
Enfoca, particularmente, analisar o processo da prática de ensino do basquete de rua em aulas de Educação Física de uma Escola Municipal de Ensino Fundamental, tendo como referência uma perspectiva de produção cultural, possibilitando a ampliação da vivência e da compreensão do basquete de rua, contextualizando, para além dos elementos corporais, fundamentais, os elementos culturais envolvidos, como grafite, música, dança e vestuário.Orientou-se pelos princípios da pesquisa-ação e justifica-se pela possibilidade de construção da prática docente mediada por uma pesquisa no espaçotempo escolar com uma perspectiva colaborativa entre universidade e escola. Além disso, ressalta a importância das discussões e estudos teóricos estarem mais atentos aos aspectos do ambiente escolar que podem contribuir para a aprendizagem de atitudes, comportamentos e orientações.
Palavras-chave: (1) Currículo; (2) Pesquisa-ensino; (3) Educação Física.
Introdução
O presente estudo é parte constitutiva de uma pesquisa[1] mais ampla que visou analisar o processo de construção e desenvolvimento de um projeto de ensino na e com a prática pedagógica da Educação Física de uma Escola Municipal de Ensino Fundamental de Vitória (ES). Nessa investigação buscou-se trazer a proposta de construção de um currículo em ação na e com a prática pedagógica da Educação Física evidenciando as experiências dos sujeitos escolares envolvidos. Para isso, assumimos o cotidiano escolar como ponto de partida para a busca da reinvenção da realidade, adentrando a escola fim de entender como operam seus fazeressaberes, propondo uma articulação entre o conhecimento e ação e, também, entre a pesquisa e o ensino.
Além disso, esta pesquisa mostrou a possibilidade para o debate e para a construção de uma organização curricular no e com o cotidiano escolar, junto ao professor, em meio à multiplicidade de linguagens que se entrecruzam em seu espaçotempo e a partir da relação entre teoria e prática como articuladores para a intervenção pedagógica e a produção de conhecimento sobre o ensino. Dessa forma, essa pesquisa se efetivou por meio do ensino do basquete de rua, no qual foram evidenciadas, as vivências e as experiências dos sujeitos escolares envolvidos na proposta — os pesquisadores, o professor-pesquisado e os(as) alunos(as) —, tendo como referência as Diretrizes Curriculares para o Ensino Fundamental apresentadas pelo Sistema Municipal de Ensino de Vitória (ES).
Com base nos estudos teóricos, especificamente na perspectiva de currículo no e com o cotidiano[2], indicou-se a compreensão do currículo como práxis (APPLE, 2000; ALVES, 2002; FERRAÇO, 2002; FERRAÇO, 2005; OLIVEIRA, 2002, SILVA, 2002; SACRISTÁN, 2000) e, ainda, reflexões sobre a estreita relação entre currículo e cultura, compreendendo o currículo como um local onde ativamente se constroem significados e valores culturais ligados as relações sociais (SILVA, 2002). Refletir a cerca dessa relação se tornou necessário na medida em que a cultura tem sido um dos conceitos centrais a orientar a análise da escolarização em geral e visto que o currículo, muitas vezes, expressa determinações não estritamente escolares, mas determinações que estão situadas dentre as experiências pessoais e culturais dos sujeitos.
Nesse contexto, esse trabalho enfoca então, particularmente, analisar o processo de construção e desenvolvimento da prática de ensino do basquete de rua nas aulas de Educação Física da 6ª série A da Escola Municipal de Ensino Fundamental “Álvaro de Castro Matos” — durante o 3º bimestre do ano letivo de 2007 —, tendo como referência uma perspectiva de produção cultural indicada por essas Diretrizes Curriculares para o Ensino Fundamental. A partir dessa perspectiva, tivemos o propósito de ampliação da vivência e da compreensão, de forma crítica, do basquete de rua como modalidade esportiva, contextualizando, assim, para além dos elementos corporais, fundamentais à prática, os elementos culturais envolvidos, como grafite, música, dança e vestuário. O projeto de ensino se fez produzido — assim como foi se produzindo — a partir de idéias, práticas, práticas coletivas, subjetividades e particularidades pertinente ao tempo e ao lugar onde se encontrava inserido, tornando necessário, assim, compreender as linguagens e manifestações, dotadas de diferentes significados e valores culturais, estabelecidas no cotidiano escolar.
Assim, com a intenção de focalizar alguns aspectos que valorizassem a dimensão interpretativa do ensino da Educação Física escolar, o desenvolvimento do estudo se inseriu na linha de investigação que parte do pressuposto de que um problema de pesquisa deve ser em primeira instância um “problema de vida prática”. Nesse sentido, esse estudo consiste em uma investigação qualitativa tomando como ponto central a descrição, análise e interpretação das informações recolhidas, procurando entendê-las de forma contextualizada à experiência cotidiana (NEGRINE, 2004). Além disso, a estruturação dos passos da pesquisa foi constituída no processo, acompanhando sistematicamente o movimento dos fenômenos cotidianos ocorridos com os sujeitos escolares envolvidos.
Dentro dessa linha de pesquisa, o presente estudo orientou-se por meio dos princípios da pesquisa-ação[3], tendo como base uma ampla e explícita interação entre pesquisadores e pesquisados; prioridade aos problemas a serem pesquisados, bem como as soluções; constituição do objeto de investigação a partir da situação social e dos diversos problemas encontrados; resolução e/ou esclarecimento da problemática observada; acompanhamento das decisões, das ações e toda a atividade dos atores da pesquisa; e aumento do conhecimento dos pesquisadores e o conhecimento ou nível de consciência dos pesquisados.
Os procedimentos de construção e coleta de dados ocorreram, basicamente, a partir dos seguintes momentos: 1) apresentação e organização do processo de pesquisa e ensino; 2) participação e intervenção na elaboração do projeto de ensino desenvolvido com e pela pesquisa; e 3) observação e/ou participação no processo de construção das aulas.
Aapresentação e organização do processo de pesquisa e ensino iniciaram, de uma forma geral, a construção do processo de modo a estabelecer um envolvimento e um comprometimento, das partes envolvidas — universidade e escola. A participação e intervenção na elaboração do projeto de ensino desenvolvido pela e com a pesquisa consistiu em diálogos estabelecidos com o professor com a finalidade de se pensar e discutir a prática pedagógica que estava sendo construída, enredando os fazeressaberes e os articulando como possibilidade para (re)construção do trabalho docente. Os diálogos foram ampliados e enriquecidos uma vez que prevalecia o discurso livre, favorecendo tanto o pesquisado quanto a pesquisadora expressar-se com clareza sobre suas vivências e/ou experiências, comunicar suas análises e representações e dar significado aos seus atos no contexto. Foi nesse momento também que aconteceram as discussões das sugestões/propostas e de alguns textos apresentados, em relação ao projeto de ensino, que favoreceram a reflexão coletiva sobre a prática. Juntamente com esse processo de “construção” do projeto de ensino, a observação e/ou participação no processo de construção das aulas foi o momento singular no processo de investigação, pois possibilitou compartilhar e vivenciar a realidade da escola e dos praticantes que lá se encontram, e interiorizar o objetivo da investigação na medida em que os dados eram construídos e recolhidos no contexto escolar. Por meio dessa observação e/ou participação, foi caracterizado e descrito o processo de intervenção didático-pedagógico do professor pesquisado e esse material, por sua vez, serviu de apoio nos encontros para planejamento — Participação e intervenção na elaboração do projeto de ensino desenvolvido pela e com a pesquisa —, sendo a partir dele que eram problematizadas, quando preciso, as situações vivenciadas a fim de avaliá-las e/ou sugerir algumas orientações e encaminhamentos.
A investigação se deu, ao total, em 31 encontros, sendo 25 aulas, de 50 minutos cada, e ainda 06 encontros para a organização e construção do projeto de ensino. O professor participante foi o de 5ª a 8ª séries, sendo convidado em função de sua participação como professor parceiro no desenvolvimento da disciplina de Estágio Supervisionado em Educação Física II no semestre de 2007/01. A turma, formada por 38 alunos(as) com um média de idade de 12 anos, foi escolhida a partir de uma sugestão, que foi acatada, do professor participante.
A pretensão da pesquisa girou no sentido de interagir com o professor participante e levá-lo a refletir sobre suas ações pedagógicas e, a partir delas, buscar instrumentos e referenciais teóricos que pudessem auxiliar no processo constante de ação-reflexão-ação. Assim, com essa perspectiva metodológica pretendeu-se envolver fundamentalmente a busca de articulação entre conhecimento e ação, e formação e investigação.
De uma forma geral, o processo de pesquisa foi marcado por princípios da perspectiva colaborativo-coletiva que, por sua vez, marca uma tendência nos estudos sobre formação docente, destacando como aspecto fundamental, o resgate da profissionalidade do professor e a legitimação do seu conhecimento por meio de relações de colaboração e co-responsabilidade entre os sujeitos envolvidos. Com isso, essa perspectiva pressupõe um processo de formação e de pesquisa, e tem como foco o trabalho coletivo e as questões teóricas e práticas da realidade cotidiana, reconhecendo, ainda, a legitimidade do saber do professor como sujeito produtor de conhecimento válido e entendendo o ensino como prática social constituído por dimensões singulares e complexas.
Assim, durante a investigação buscou-se a constituição de um trabalho solidário, de ambas as partes envolvidas no estudo, e a construção de uma atitude crítica e questionadora, associada a uma constante busca de subsídios teóricos necessários ao reconhecimento e à valorização da prática pedagógica do professor pesquisado. Isso se sucedeu por meio da relação dialogada e engajada junto ao mesmo, na qual foi preciso assumir um papel um papel com caráter questionador e provocador, buscando aproximar a dita relação distanciada e hierarquizada entre os estudos acadêmicos e os professores da educação básica.
Logo, sem desconsiderar os múltiplos aspectos que orientam a prática da Educação Física no cotidiano escolar, esse estudo justificou-se pela possibilidade de construção de uma prática docente, com foco na produção cultural, mediada por uma pesquisa no espaçotempo escolar com uma perspectiva colaborativo-coletiva entre universidade e escola. Além disso, por evidenciar a possibilidade de “despertar” os processos de construção e organização pelos quais se dão o ensino da Educação Física como disciplina escolar.
Para isso, o estudo focalizou, fundamentalmente, o professor-participante, a cultura e o cotidiano escolar, dentre uma diversidade de facetas que valoriza a dimensão interpretativa da produção de conhecimentos na educação. Retomar e ressaltar a relevância do currículo nos estudos pedagógicos, na discussão sobre educação e no debate sobre a qualidade de ensino é considerado recuperar a consciência do valor da escola como instituição facilitadora de cultura. E, nesse sentido, vale ressaltar ainda que as discussões sobre currículo vêm assumindo maior importância nos últimos anos no Brasil, principalmente em função das variadas alterações que as propostas curriculares oficiais buscam trazer às escolas.
Currículo e Cultura
Algumas discussões recentes ressaltam ser importante desenvolver conceitos que permitam compreender os efeitos que os currículos produzem, visto que eles se concretizam e são construídos em função de suas contextualizações, se expressando em práticas de significações múltiplas. Segundo Sacristán (2000), “[...] analisar os currículos concretos significa estudá-los no contexto em que se configuram e através do qual se expressam em práticas educativas e em resultados”. Nesse caso, o contexto é constituído em um cotidiano escolar que entende o currículo não como algo dado e indiscutível, mas como um conjunto de experiências de conhecimento possíveis de serem proporcionadas e problematizadas.
Nesse sentido, o cotidiano escolar aparece como uma rede de conhecimentos e valores dos sujeitos sociais que torna cada realidade um conjunto de possibilidades muito amplas. Como um lugar no qual se materializam de forma complexa as estratégias de seus praticantes e/ou onde se formam as redes de relações que aparecem e desaparecem em um espaçotempo subjetivo.
André (2007) defende a necessidade de uma construção teórica para a categoria “Cotidiano Escolar”, no sentido de que se avance no conhecimento do que se constitui a vida escolar cotidiana. Para a autora, é importante entender o processo de construção da cultura escolar, pois há o risco de assumirmos propostas de outros autores, que falam de cotidiano geral, com intuito de tentar aplicá-las, de forma dedutiva, em um contexto escolar específico. Para isso, indica, assim como outros autores da área da educação, a necessidade de uma análise intensa, buscando compreender e interpretar os sujeitos e as situações, os episódios comuns e os inusitados, as falas, as expressões, as manifestações escritas dos atores escolares, no contexto em que foram gerados e no âmbito das circunstâncias específicas em que foram produzidos.
Nesse sentido, refletir acerca da relação entre currículo e cultura se torna necessário visto que a cultura tem sido um dos conceitos centrais a orientar a análise da escolarização, em geral. E essa reflexão torna-se produtiva para o campo do currículo, na medida em que os pesquisadores consigam revalorizar as discussões da temática entre as áreas do saber, aproveitando melhor os elementos disponíveis em seu campo de origem. Nesse sentido, a teorização crítica, especificamente, é caracterizada pelas reflexões sobre as estreitas relações entre o currículo e ideologia, currículo e democracia, currículo e poder, e currículo e cultura, pretendendo romper a convencional visão de currículo como área estritamente técnica (SILVA, 2002).
Assim, de acordo como foi sugerido por Aroeira (2000), a necessidade de compreendermos a temática “Currículo e Cultura” parte do entendimento de que a educação está intimamente ligada à política da cultura e, assim, de que o currículo nunca é apenas um conjunto neutro de conhecimentos. A educação e, em particular, o currículo é uma forma institucionalizado de transmitir a cultura de uma sociedade.
Nesse sentido, é preciso ver a cultura não como um conjunto inerte e estático de valores e conhecimentos a serem transmitidos de forma não problemática a uma nova geração, mas como campos de produção envolvidos em uma política cultural[4]. Forquin (1993) se remete à cultura como um conjunto dos traços característicos do modo de vida de uma sociedade, de uma comunidade ou de um grupo, compreendidos com os aspectos que se podem considerar como os mais cotidianos ou os mais triviais. Numa mesma perspectiva, Silva (2002) sugere a cultura como resultado de qualquer trabalho humano, fazendo, assim, mais sentido falar não em cultura, mas em “culturas”, e pressupondo, ainda, que o desenvolvimento dessa noção tem importantes implicações curriculares.
Dessa forma, Aroeira (2000), nos alerta que a relação currículo e cultura atravessa os conceitos centrais da teorização educacional crítica — Estudos Culturais e Multiculturalismo, por exemplo — e pode ser abordada por meio do conhecimento dos universos culturais dos alunos. Assim como o contexto social dos conteúdos, também, é outro ponto interessante possível para se trabalhar a cultura no currículo.
O currículo muitas vezes expressa determinações não estritamente escolares, mas determinações que estão situadas dentre as experiências pessoais e culturais dos sujeitos. Saviani (1994) deixa claro que qualquer proposta curricular consiste em uma seleção de elementos da cultura, passíveis de serem ensinados na educação escolar. Dessa forma, o currículo pode ser tido como um artefato cultural, no sentido de ser uma invenção social e pelo seu conteúdo ser uma construção social.
Diante dessa discussão e entendendo que o currículo se faz produzindo idéias, práticas coletivas, subjetividades e particularidades pertinentes ao tempo e lugar onde está inserido, torna-se necessário compreender suas linguagens e manifestações, dotadas de diferentes significados e valores culturais, produzidas no cotidiano escolar.
O Relato da Experiência de Construção do Ensino
A construção e a implementação do projeto de ensino do basquete de rua emergiu a partir do conhecimento do contexto escolar em questão — a escola, a turma, e o professor e a Educação Física encontrada — e das experiências concretas vivenciadas com os praticantes escolares, tendo como referência as Diretrizes Curriculares do Ensino Fundamental, de Vitória (ES). Assim, o projeto de ensino foi sendo construído de forma que as práticas pedagógicas estivem voltadas para uma produção cultural, ou seja, estabelecendo relações entre o saber escolar e sua dimensão político-cultural. Por isso que, ao invés do basquete “oficial”, optou-se pelo basquete de rua com o propósito de ampliação da compreensão e da vivência dessa modalidade esportiva, contextualizando, os elementos culturais envolvidos, além dos corporais fundamentais. Isso implicou assumir diversas práticas corporais e culturais como objeto de ensino com suas variadas possibilidades de vivência, reflexão, construção e sistematização. E, nesse sentido, como pontuamos a partir de Aroeira (2000), o currículo garantiu-se como uma forma institucionalizada de transmitir a cultura de uma sociedade, e não apenas como um conjunto de conhecimentos.
Assim, a proposta de ensino, além de ajudar os alunos a construir e a desenvolver alguns aspectos corporais pertencentes ao basquete de rua — práticas mais evidentes às aulas de Educação Física —, mostrou que essa disciplina lida, também, com o diálogo, a reflexão e o uso da palavra, a fim de posicioná-los criticamente diante do contexto no qual estão inseridos. Essa intenção ficou clara quando foram promovidas, nas aulas, discussões e reflexões em relação à história, às contextualizações no cenário esportivo e às diferenças do basquete “oficial” e o basquete de rua.
De uma forma geral, as aulas envolveram: exibições de vídeos e imagens, como primeira aproximação as referências sócio-culturais do basquete de rua; (re)construção e reprodução de movimentações e fundamentos, envolvendo atividades[5] de dribles, de condução de bola e de arremesso; construção coletiva de regras e criação de outras possibilidades de jogar, considerando as referências sócio-culturais, também do contexto escolar e dos(as) alunos(as); compreensão e noção do espaço do jogo, por ser um esporte praticado na rua; e retomadas constantes da dimensão cultural que caracteriza a prática do basquete de rua, tendo o cuidado de sincronizar a vivência do jogo com a produção artística (grafite, música, dança e vestuário).
Dois momentos considerados importantes como forma de contextualizar a temática e aproximá-la de maneira mais efetiva aos alunos e às alunas foram: (1) a presença dos grafiteiros e dançarinos de break à Mostra Científica e Cultural da Escola e (2) o Festival de basquete de rua promovido.
Nesse contexto e entendendo que o conhecimento que constitui o currículo está centralmente envolvido na nossa identidade[6], houve o cuidado de respeitar e preservar a autonomia e a autoridade do professor participante, visto que era ele o autor e o ator daquela realidade. Ele, inicialmente, apresentou um pouco de dificuldades para se envolver no processo em construção, e, gradativamente, conseguiu dar “significado e valor” às ações pensadas.
Em vários momentos foi preciso ater-se a reorganização do planejamento e, conseqüentemente, da prática. Para essa reflexão, sobre a ação educativa, o processo colaborativo-coletivo foi fundamental, visto que pode contribuir para o desenvolvimento de críticas e para a avaliação das práticas docentes.
Assim, foi possível perceber, de uma forma geral, a concretização do Projeto de Ensino construído e a valorização dos(as) alunos(as) às ações educativas desenvolvidas. Além disso, foi possível notar que as aprendizagens se deram por diferentes dimensões nos diferentes sujeitos envolvidos no ensino e na pesquisa.
Considerações finais
Nesse momento, a intenção, mais do que apresentar conclusões, é trazer à tona algumas reflexões, procurando sintetizar algumas relações que foram fundamentais durante o estudo, e algumas outras que ficaram em aberto. Esse trabalho encontra-se inserido na perspectiva de se “pensar e fazer no e com o cotidiano”, demonstrando o “antes” e o “estar sendo”, sob o suporte, basicamente, de um conjunto articulado de estratégias teórico-metodológicas prescritas — Diretrizes Curriculares— e construções decorrentes do próprio contexto.
A proposta de currículo em ação na e com a prática pedagógica possibilitou identificar os aspectos do cotidiano escolar que revelaram a complexidade, a pluralidade e a singularidade dos problemas educacionais, assim como o desafio de buscar soluções para os mesmos. Algumas das situações vivenciadas afirmaram um complexo entendimento do espaçotempo escolar devido à “circulação” de diferentes conhecimentos e valores provenientes de seus sujeitos sociais. Nesse sentido, esse trabalho ressalta a importância das discussões e estudos teóricos estarem mais atentos aos aspectos do ambiente escolar.
E, nesse sentido, o que ficou muito visível, em meio a essa multiplicidade de linguagens existentes que se entrecruzam, foi a possibilidade de produção de outras versões e formulações para o ensino do basquete de rua. Embora, o processo desenvolvido de interação entre as culturas — do basquete de rua e do contexto escolar — tenha sido considerada a grande “sacada” na proposta de ensino construída.
Com isso, esse trabalho pretendeu contribuir para o debate e a construção da organização curricular no e com o cotidiano da Educação Física, e, como “relato de experiência”, demonstrar as dificuldades e, principalmente, uma possibilidade de construção pedagógica envolvida na formação de significados e valores culturais dos sujeitos.
Além disso, essa pesquisa possibilitou a articulação entre o ensino e a pesquisa, no sentido de assumir a relação teoria e prática, como articuladores do processo e como intervenção e produção de conhecimento. Essa articulação ofereceu meios interpretativos para superação dos aspectos pedagógicos, acadêmicos e culturais que, no caso, dificultaram as mudanças desejadas.
Por fim, adentrar no mundo do cotidiano escolar, sem estar preso a uma teoria previamente estabelecida, nos propiciou vivenciar múltiplas aproximações em suas complexidades e concretudes e perceber que nesse “mundo” estão inseridos inúmeros fazeressaberes incorporados ao longo de nossa história como sujeitos.
Referências Bibliográficas
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SACRISTÁN, J.Gimeno. O currículo: uma reflexão sobre a prática. Porto Alegre: ArtMed, 2000.
SAVIANI, Nereide. Saber escolar, currículo e didática. Campinas: Autores Associados, 1994.
SILVA, Tomáz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.
THIOLLENT, M. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1992.
[1] Trabalho de Conclusão do Curso de Licenciatura Plena em Educação Física.
[2] Baseando-se na proposta de Pesquisa com o cotidiano defendida pela professora Regina Leite Garcia, que substitui os termos sobre/no/do pelo uso “com o” cotidiano, por acreditar que ao mergulhar no universo complexo que é o cotidiano nos dispomos ao mesmo, interagindo com os sujeitos que lá se encontram, influenciando e sendo influenciados.
[3] Thiollent, 1992.
[4] GIROUX, Henry. Escola crítica e política cultural. São Paulo: Cortez, 1987. Expressão que apresenta o currículo envolvido na construção de significados e valores culturais, e não simplesmente com a transmissão de fatos e conhecimentos objetivos.
[5] Essas atividades envolveram algumas possíveis variações, como o número de participantes, tamanho e quantidade de bolas, distância e tempo, entre outras, e por vezes se apresentaram de forma extremamente sistematizada.
[6] Silva, 2002.