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Artigos > Formação Profissional, Currículo e Práticas Pedagógicas em Educação e em Educação Física > SANTOS, Wagner dos Santos; MAXIMIANO, Francine de Lima. Práticas avaliativas em educação física na educação básica: memórias discentes. In: IV Congresso Internacional Cotidiano Diálogos sobre Diálogos, 2012, Niterói. Anais...Niterói: GRUPALFA, 2012. CD-ROOM.

SANTOS, Wagner dos Santos; MAXIMIANO, Francine de Lima. Práticas avaliativas em educação física na educação básica: memórias discentes. In: IV Congresso Internacional Cotidiano Diálogos sobre Diálogos, 2012, Niterói. Anais...Niterói: GRUPALFA, 2012. CD-ROOM.

 

PRÁTICAS AVALIATIVAS EM EDUCAÇÃO FÍSICA NA EDUCAÇÃO BÁSICA: MEMÓRIAS DISCENTES

 

Wagner dos Santos 

Francine de Lima Maximiano

 

Resumo: Analisa as experiências de avaliação vivenciadas por alunos do curso de formação inicial do CEFD/UFES, nas aulas de Educação Física da Educação Básica. Define como colaboradores da pesquisa, dez alunos do oitavo período e tem como instrumento de produção de dados grupo focal e a entrevista semiestruturada.As narrativas dos alunos se aproximam quando se analisa a perspectiva de avaliação, instrumentos e critérios. Percebe-se uma centralização dos atributos relacionados com os comportamentos e atitudes em que se utiliza a participação sem registro sistemático como instrumento. As experiências que fogem a esses aspectos sinalizam uma prática fundamentada na prova prática e escrita.

 

Palavras-chave: Avaliação. Educação Física. Educação Básica.

 

 

Introdução

 

Trabalhos do tipo estado da arte,como os de Santos (2002), Alves e Soares Junior (2007) e Macedo (2011), têm apresentado um reduzido número de pesquisas sobre a avaliação do processo ensino-aprendizagem na área da Educação Física. Santos (2002) e Macedo (2011), ao tomarem como fonte os periódicos e congressos científicos no período de 1931 a 2010,[1] evidenciam a existência de 41 artigos. Desses, somente oito mergulham no cotidiano escolar­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­–­­­­­­­­­­­­­­­­ seis na formação inicial e apenas dois na Educação Básica.

Dos seis artigos que dão enfoque à avaliação na formação inicial, três se caracterizam como ensaio (FERREIRA; REIS; TUBINO, 1979; FENSTERSEIFER, 1981; VANDEVELDE, 1981) e três como pesquisa de campo (ROMBALDI; CANFIELD, 1999; BRATIFISCHE, 2003; MENDES; NASCIMENTO; MENDES, 2007).

            Apesar da distância temporal dos trabalhos (o primeiro data de 1979 e o último é de 2007), da diferença na natureza das pesquisas e do conteúdo por elas apresentado, percebemos algumas aproximações. Mesmo partindo de matrizes teóricas distintas, behavioristas e críticas, os autores atribuem à avaliação um papel central para se analisar o ensino-aprendizagem, bem como para reconhecer o poder da avaliação no processo de transformação.

Partindo da perspectiva behaviorista, Ferreira, Reis e Tubino (1979), Fensterseifer (1981) e Vandevelde (1981) defendem uma avaliação focada no sujeito, cujo papel é produzir um feedback que favoreça modificações e reestruturação dos comportamentos e atitudes. Cabe à avaliação fornecer subsídios para o avaliador estabelecer uma análise da eficácia e eficiência do processo de formação docente. Dessa maneira, o enfoque é dado à própria formação e não às suas implicações para o processo de mudança da atuação profissional, ou seja, a transformação é individual. A questão é criar mecanismos de controle do processo de ensino-aprendizagem do aluno com o objetivo de oferecer elementos para se adequar os objetivos, sua estruturação e os próprios instrumentos avaliativos. Na visão de Fensterseifer (1981, p. 93), essas ações “[...] colaboram para a maior e menor eficiência dos processos de formação dos profissionais”.

            Fundamentados na perspectiva crítica, Rombaldi e Canfield (1999), Bratifische (2003), Mendes, Nascimento e Mendes (2007) defendem uma visão avaliativa pautada na necessidade de transformação social, cujo papel é provocar uma formação/atuação autônoma e crítica. Partindo de um movimento que visa a aproximar a formação inicial e a atuação docente, os autores analisam as experiências avaliativas produzidas durante a formação inicial e suas implicações para o exercício da docência. A questão central investigada por esses trabalhos é analisar em que medida o processo de formação inicial tem produzido experiências, no campo da avaliação que ajudem os futuros professores no exercício da docência.

Os resultados apresentados por Rombaldi e Canfield (1999), Bratifische (2003) e Mendes, Nascimento e Mendes (2007) têm demonstrado a importância da formação inicial na significação dos saberes e práticas avaliativas. De acordo com os autores, as avaliações do processo ensino-aprendizagem pautadas na aptidão física e vivenciadas nas disciplinas práticas do curso de graduação do futuro professor tem marcado e orientado o modo de avaliar quando eles se encontram na docência.

            Os autores indicamaindaavanços teóricos nos discursos acadêmicos sobre avaliação educacional, nos quais defendem a necessidade de práticas avaliativas pautadas na ética, no juízo consciente de valor, no respeito às diferenças, no compromisso com a aprendizagem, mas, ao mergulharem no cotidiano, acabam por fortalecer um panorama de crítica que mostra a insistência dos professores em formação ou já formados em avaliar os aspectos comportamentais, como participação e assiduidade nas aulas de Educação Física.  A conclusão a que se chega é que a formação inicial pouco ou nada tem contribuído para mudanças nas perspectivas e práticas avaliativas.  Contudo, fica-nos a pergunta: como os discentes, no término da formação inicial ,significam suas experiências com avaliação na Educação Básica?

Diante desse contexto, propomo-nos a fazer uma pesquisa narrativa, procurando dar visibilidade às experiências vivenciadas pelos alunos da formação inicial do Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Espírito Santo (CEFD/UFES), com avaliação do processo ensino-aprendizagem nas aulas de Educação Física na Educação Básica. Faz-se importante esse tipo de análise, pois a pesquisa narrativa propicia ao estudante, no presente, uma análise sobre o passando, permitindo não só uma compreensão do passado como outras formas de atuação no futuro. De igual maneira, possibilitará, em um próximo estudo, analisarmos em que medida a formação inicial dos futuros professores de Educação Física contribui para uma (re)significação das experiências avaliativas vivenciadas na Educação Básica.

O estudo está estruturado em três partes: na primeira, apresentamos o referencial teórico-metodológico adotado, dedicando-nos à identificação dos alunos, tipos de instrumentos e modo de análise; na segunda parte, analisamos as narrativas dialogando com a produção teórica; na terceira, apresentamos nossas considerações finais.

 

 

Referencial teórico-metodológico

 

A abordagem teórico-metodológica da pesquisa é a narrativa autobiográfica. Assim como a arte de evocar, narrar é atribuir sentidos às experiências (SOUZA, 2006). Sua ação permite, pela exteriorização do conhecimento sobre si e das diversas dimensões dos saberes e fazeres pedagógicos, a construção de um processo de reflexão e interpretação das histórias de vida e das trajetórias e percursos de formação. Narrar-se pode contribuir para descobrir-se, conscientizar-se e ressignificar-se.

Os resíduos da experiência do discente ganham, nas narrativas, formas de linguagem que redefinem modos de ser e viver, revisitando histórias nas memórias-fragmentos (PEREZ, 2003), retalhos de uma vida que se escolhe para lembrar, nos quais buscaremos um fazer história que rompe com a linearidade do espaço e tempo, entrelaçando passado, presente e futuro no agora.

O narrador, a partir de clarões e fragmentos particulares (CERTEAU, 1994), seleciona o que lembrar, delineando uma ação de produzir uma imagem dos acontecidos. Gagnebin (1997, p. 139), traz a relação de imagem com a memória pela ação da semelhança, como “[...] aquilo que sabemos que em breve já não teremos diante de nós, torna-se imagem”. Para Le Goff (1990, p. 412), a memória é um elemento essencial do que se costuma chamar identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos que, por sua vez, “[...] procura salvar o passado para servir o presente e o futuro”.

Certeau (1994, p. 162-163) já sinalizava que a memória não possui uma organização pronta de antemão; ela se mobiliza relativamente ao que se apresenta no encontro com o outro e, “[...] que longe de ser o relicário da lata de lixo do passado, a memória vive de crê nos possíveis, e de esperá-los, vigilantes, à espreita”.  

As narrativas (auto)biográficas foram, dessa maneira, tratadas não meramente como dados, mas como produtos (CERTEAU, 1994), consequência da ação cultural dos discentes no lugar/espaço da  instituição escolarizada. Buscamos apresentar nas narrativas as experiências avaliativas de dez alunos do oitavo período, três homens e sete mulheres[2] do Curso de Licenciatura em Educação Física da Ufes. A escolha desse período se deve ao objetivo do trabalho. A participação dos alunos na pesquisa ocorreu de maneira voluntária, mediante convite realizado para a turma, e correspondeu ao período de 21 de outubro a 25 de novembro de 2011.

Foram utilizados dois instrumentos de produção de dados, o grupo focal e a entrevista semiestruturada. Objetivamos, no grupo focal, um processo de rememoração individual e coletivo. Partimos da ideia de que o compartilhamento das experiências poderia ajudar na rememoração dos participantes da pesquisa, o que, de fato, aconteceu. Por se tratar de uma ação coletiva, a escuta do outro trouxe em cena o reconhecimento e a identificação de diferentes vivências/acontecimentos, contribuindo para o processo de rememoração. Percebemos que, apesar de a experiência ser um “[...] saber particular, subjetivo, relativo, contingente e pessoal, o acontecimento é comum [...]” (BONDÍA, 2002, p. 27).

Na entrevista semiestruturada, buscamos aprofundar as narrativas, levantando novas questões com base na participação do grupo focal. A análise dos dados foi feita mediante o conteúdo das narrativas.

 

 

Experiências discentes: significações das práticas avaliativas

 

“Nunca se explica plenamente um fenômeno histórico fora do estudo do seu momento” (BLOCH, 2001, p. 60). Diante dessa afirmação, buscamos contextualizar o lugar onde se originam as narrativas dos discentes. Dos alunos colaboradores da pesquisa, oito cursaram a Educação Básica em escolas públicas, um na Escola Federal do Estado do Espírito Santo, e duas alunas na rede particular de ensino. Oito escolas estão situadas nos municípios da Grande Vitória (Serra, Cariacica, Vila Velha e Vitória) e duas em municípios do interior do Estado (Marechal Floriano e Cachoeiro de Itapemirim).

Uma leitura inicial das narrativas dedicando especial atenção ao conteúdo que trata das experiências avaliativas possibilitou-nos criar os seguintes eixos de análise: instrumentos avaliativos, critérios e concepção de avaliação.Por meio dos instrumentos avaliativos, os alunos dão visibilidade à perspectiva de avaliação e sua importância ou não ao processo ensino-aprendizagem.

Apesar de estudarem em escolas diferentes, as narrativas se aproximam quando se trata de tipos de avaliação utilizados pelos professores de Educação Física na Educação Básica. Os quatro alunos evidenciam uma supervalorização à avaliação pautada em aspectos comportamentais, como participação e envolvimento nas aulas, conforme pode ser observado a seguir:

 

A minha Educação Física, durante a Educação Básica não foi muito diferente durante as outras séries. A avaliação que o professor fazia em relação aos alunos era sempre a mesma, era questão de participação e envolvimento nas aulas (RENATO).

 

[...] apesar de eu ter estudado em escolas diferentes, o método avaliativo era o mesmo. Era participação nas aulas e não tinha nenhuma prova. Em nenhum dia ele dizia como ia ser a avaliação (PATRÍCIA).

               

Em toda minha Educação Básica, eu não tinha nenhuma avaliação. Era participação, por isso que eu sempre fui bem [...] (RITA).

 

No meu caso, de primeira a quarta série, eu estudava pela manhã, e quinta à oitava à tarde [...]. A avaliação eu não sei como era feita. Acredito que era mais pela participação, porque ela não dava nada escrito [...]. O professor da tarde trabalhava com as quatro modalidades esportivas e se embasava pela participação e prova (BRUNA).

 

O discurso da avaliação pautada nos comportamentos e atitudes sem registro sistematizado ganha destaque nas narrativas dos alunos. Santos (2005) ressalta que é necessária a atenção para que a avaliação não seja feita sem registro de controle, ocorrendo sem planejamento e sem objetivos educacionais predefinidos. Os instrumentos de avaliação são registros de diferentes naturezas, que servem como produtor de dados para consubstanciar a análise do processo ensino-aprendizagem. É preciso ressaltar que a

 

[...] participação, como mera adjetivação metodológica do ato de avaliar, assume geralmente uma função instrumental, em que o poder de decisão segue concentrado no avaliador que, como agente máximo, o outorga aos outros em alguns momentos do processo. Assim, a participação corre o risco de se converter em um mecanismo mais ‘eficiente’ de produzir materiais verbais que logo serão utilizados pelo avaliador para produzir o seu informe ou a sua tese. O que parecia como direito à palavra torna-se um procedimento mais eficiente para obter respostas (Waiselfisz, 1998, p. 59).

 

            Para Darido (2005), a observação da participação tem tido um papel importante na Educação Física, sob o argumento de que é fundamental para a formação do cidadão. Mendes, Nascimento e Mendes (2007) observaram que os professores egressos do curso de formação inicial em Educação Física da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), ao avaliarem os alunos, priorizavam a utilização da observação do comportamento e dos trabalhos escritos. Diante desse cenário, destacam a importância de as diferentes disciplinas que constituem o currículo da formação inicial se dedicaram a discutir as implicações da avaliação na prática pedagógica do professor de Educação Física. Masessa disciplina só ensina a mudança de comportamentos e atitudes? Ou melhor, se avaliamos o que ensinamos, a Educação Física ensina apenas valores e atitudes?

Essa ação evidencia o uso da avaliação como mecanismo de controle.  Na visão de Esteban (2002, p. 102), a “[...] avaliação vai se distanciando do processo ensino-aprendizagem, ressaltando sua função de controle social mediado pela prática pedagógica”. Não obstante, a centralização nos atributos relacionados com os comportamentos e atitudes, em detrimento dos aspectos relativos às demais dimensões do conhecimento, não fornece dados mais amplos para visualizar o processo ensino/aprendizagem.

Outro instrumento avaliativo apresentado por Carolina foi a prova prática narrada pela aluna.

 

[...] Teve uma série que tivemos vivência no Cefetes de atletismo. A gente fez arremesso de peso, revezamento e outras modalidades e depois tivemos que apresentar um trabalho sobre a história do futsal, sobre as regras e depois a gente teve uma prova prática. Era determinada uma nota através da habilidade de chutar, tocar e domínio de bola.

 

Avaliar o ensino-aprendizagem a partir de prova prática e pela participação pode ser justificado dada a especificidade da Educação Física no contexto escolar, pois valoriza outras figuras do aprender. A prova prática se aproxima do instrumento participação, já que ambas têm as mesmas características. O que está em jogo é o domínio de uma atividade e, sem a participação dos alunos, não há domínio.

Charlot (p. 70, 2000) salienta:

 

Quanto mais a atividade for submetida a minivariações da situação, tanto mais inserida no corpo; e maior será  a dificuldade de expô-la integralmente sob a forma de enunciados [...]. Não só estudar ‘a natação’ não basta para nadar, como também conhecer ‘a informática’ não garante que utilizará um computador; mesmo que, é claro, isso ajude [...]. Trata-se de duas relações epistêmicas diferentes: aprender a nadar é procurar dominar uma atividade, aprender ‘a natação’ é referir-se a essa atividade como um conjunto de enunciados (normativos) que se constituem um saber-objeto.

 

Apesar de autores, como Souza Júnior (2010) e Darido (2005) criticarem a prova prática, associando-a à perspectiva tradicional de avaliação na Educação Física (SOUZA JÚNIOR, 2010; DARIDO, 2005), entendemos que os saberes,

 

[...] tematizados pela Educação Física são, em sua maioria, saberes que se projetam por meio do domínio de uma atividade, no caso as atividades que demandam controle e uso do corpo e dos movimentos, em que não existe referência a uma saber-objeto, pelo menos por parte dos alunos, mas à capacidade de saber usar um objeto de forma pertinente. Então o caso não é indicar o que os alunos não conseguiram definir como sua aprendizagem em relação aos saberes compartilhados pela Educação Física, mas pedir que demonstrem o que sabem fazer com os objetos, ou quais atividades sabem realizar (SCHNEIDER; BUENO, 2005, p. 16).

 

Para operar dessa forma, a Educação Física acaba por trabalhar com saberes que não são aqueles valorizados pela escola. Em contrapartida, observamos um movimento de adequar e igualar a Educação Física aos demais componentes curriculares não potencializando sua especificidade. Exemplo disso é o uso da prova escrita como instrumento avaliativo destacado nas seguintes narrativas:

 

[...] e, no sexto ano [...], os critérios de avaliação  deixavam bem claro, a prova vai ter isso e isso. Ele aplicou prova [...] (CARLOS).

 

[...] uma vez o professor nos ensinou sobre regras de vôlei, nos levou para quadra, fez rodízio, botou todo mundo para jogar e depois teve provas sobre regras (BIA).

 

[...] o professor da tarde trabalhava com as quatro modalidades esportivas e se embasava pela participação e prova (BRUNA).

 

Apesar de ser um componente curricular obrigatório na Educação Básica, é preciso ressaltar que a Educação Física valoriza outra relação com o saber, comparada com as demais disciplinas escolares.[3] Para Schneider e Bueno (2005), aEducação Física não privilegia o saber-objeto que pode ser incorporado pela relação epistêmica com os objetos, mas, sim, o saber concretizado por meio do domínio de uma atividade, ou da capacidade de utilizar um objeto.  Depreendemos desse debate que a criança não aprende apenas quando lê, escreve e fala.  Esse domínio se inscreve no corpo, por isso a necessidade da substituição “do falar de” para o “fazer com” nas aulas de Educação Física (Schneider, Bueno, 2005). Os autores alertam que, no trabalho com a Educação Física, mais importante do que conseguir sistematizar uma explicação do que se aprendeu, certamente, é a experiência vivenciada.

Ao trazer essa reflexão, levantamos uma gama de indagações que perpassam pelo próprio questionamento sobre o papel da Educação Física no contexto escolar, sua singularidade e significação. A Educação Física, ao lidar com a relação do saber-domínio e saber-relacional que se centraliza na dimensão do fazer com, apresenta outra lógica para a forma escolar. A escola é o lugar da palavra, da linguagem ou de outras formas de simbolização do mundo, do texto, dos saberes sistematizados cujo modo de existência é a linguagem, por isso sua valorização da dimensão falar de em contraposição ao fazer com, sobretudo, nas práticas avaliativas.

Do ponto de vista escolar, a Educação Física desempenha a mesma função das outras disciplinas, no entanto estabelece outra lógica, pois “[...] não se trata de uma atividade intelectual, mas sim de uma atividade física –­­­­­­­­­­­­­­­­ claro que é a atividade física de um corpo sujeito e não de um corpo-máquina” (CHARLOT, 2000, p. 244). Trata-se de um componente curricular singular, estabelecendo uma lógica que não é valorizada pela escola e, ao mesmo tempo, se adapta à lógica escolar, pois na visão do autor:

 

[...] a Educação Física não é uma disciplina escolar ‘como as demais’. E acrescento: felizmente. Não é igual às demais porque ela lida com uma forma do aprender que não a apropriação de saberes-enunciados. Em vez de tentar anular ou esconder essa diferença, dever- se-ia destacá-la e esclarecê-la. O fato de que é uma disciplina diferente não significa que tem a legitimidade do que as demais disciplinas [...]. Em vez de se esforçar para aparentar-se normal, conforme a norma dominante de legitimidade escolar, a Educação Física deveria, a meu ver, legitimar-se por referência a outra norma, a outra figura do aprender (CHARLOT, 2009, p. 243).

 

Como a escola é o lugar do falar de e do escrever sobre, como avaliar os processos de ensino e aprendizado em uma disciplina, Educação Física, que assume como estatuto epistemológico o fazer com?Como dar sentido à avaliação levando em consideração à especificidade da Educação Física, quando comparada com os demais componentes curriculares? As narrativas dos discentes têm anunciado o uso de instrumentos avaliativos que nos remetem para o reconhecimento da especificidade dessa disciplina. Atribuir uma nota por meio da participação, atividades práticas pode ser considerado uma forma de responder às necessidades da escola, mas, ao mesmo tempo, pode ser interpretado como uma saída para se potencializar o saber privilegiado pela Educação Física. Essa questão nos oferece pistas para compreendermos a dificuldade não só de avaliar na Educação Física, mas também de justificar a sua necessidade na prática pedagógica dos professores. 

Contudo, é preciso ressaltar que a questão não é o uso desses ou daqueles instrumentos avaliativos, mas, sim, identificar qual o sentido, o significado que é dado ao processo avaliativo e qual perspectiva epistemológica lhe oferece fundamento. Acreditamos, assim, que o problema a enfrentarmos nos estudos sobre avaliação não é a existência ou não de uma nota, mas a necessidade de uma mudança de paradigmas a respeito dela.

O paradigma que oferece suporte às práticas avaliativas apresentadas nas narrativas dos discentes está associado à lógica do exame em que a avaliação é assumida como ato de medida e controle. Existe, dessa maneira, uma confusão conceitual entre mensuração e avaliação do ensino-aprendizagem, em que medir a quantificação de algo significa avaliar (Vianna, 2000). Para Esteban (2002, p. 118), essa lógica está pautada na ideia do rendimento escolar, que

 

[...] é interpretado como uma síntese quantitativa das qualidades, reveladas através das conditas observáveis e objetivamente recolhidas pelos procedimentos de avaliação [...]. A nota (ou conceito) é assumida como informação relevante sobre as qualidades dos sujeitos esfacelados e tratados como objeto de análise.

 

Luckesi (2011) vai além, quando coloca a avaliação em oposto ao que chama de exame, no qual a predominância está centrada com exclusividade no produto final. Esse tipo de avaliação é seletiva, classificatória e toma como consequência a exclusão temporária ou definitiva dos alunos que não atingem o desempenho final esperado. Desse modo, os atos que o autor chama de examinativos “[...] têm tido papel importante na administração do poder no espaço microssocial da relação pedagógica no interior da escola”.

Esse tipo de avaliação se relaciona com o processo de classificação, facilmente traduzível em prova, testes, notas, conceitos, aprovação e reprovação (ESTEBAN, 2003) que, no caso da Educação Física, se constitui como uma prática para responder e atender à lógica escolar. Dessa maneira, é preciso compreender que “[...] a forma como o ensino é concebido, o entendimento do que é aprender, do que é ensinar, do papel da escola está intimamente relacionado com a forma de avaliar. Pois, deve haver uma coerência entre ensinar, aprender, avaliar” (FERNANDES, 2003, p. 96).

Precisamos entender que a avaliação demanda uma atitude política de analisar a realidade, estabelecendo juízo de valor, com base na avaliação diagnóstica, formativa e somativa e, a partir dessas análises, deve projetar novas decisões. Avaliar é indagar e indagar-se, num processo compartilhado, coletivo em que todos se aventuram ao conhecimento buscando o autoconhecimento (ESTEBAN, 2003).

Aproximamos-nos da perspectiva de avaliação como prática de investigação, que tem um horizonte móvel, indefinido, e não trabalha a partir de uma única resposta esperada, mas indaga as muitas encontradas, os diferentes caminhos percorridos, os múltiplos conhecimentos anunciados, com o sentido de ampliação permanente dos conhecimentos existentes (ESTEBAN, 2010). Podemos afirmar que a avaliação,

 

[...] não é o ponto final, a classificação de cada indivíduo a partir de resultados do processo de ensino-aprendizagem, pelo contrário, é um conjunto de ações desempenhadas no processo pedagógico que contribui na coleta de dados, no registro de informações, na reflexão sobre o material acumulado e na exposição dos processos e das possibilidades abertas (ESTEBAN, 2010, p. 93).

 

A avaliação é, dessa maneira, uma prática de interrogar e interrogar-se. Entendida dessa forma, a avaliação permite, por meio de pistas e indícios produzidos pelos sujeitos escolares, evidenciar os processos de ensino-aprendizagem construídos, em construção e ainda não construídos, oferecendo elementos para projetar outras possibilidades pedagógicas (SANTOS, 2005, 2008), como evidenciado na narrativa da aluna Carolina:

 

Na oitava série/primeiro ano a nota que o professor deu foi de participação, porque a avaliação foi durante o bimestre inteiro. Ele explicou sobre o rugby, falou das tradições, cultura, jogadores, regras, fundamentos, construção em sala de aula, na quadra, apresentou a bola, como era feito os passes, e tudo em um contexto. Depois a avaliação era feita através da participação, oralidade e construção conjunta desse novo conhecimento sobre o esporte que inventamos.

 

Sinalizamos possibilidades de avaliação como prática de pesquisa (ESTEBAN, 2002; SANTOS, 2005), consubstanciados pela criação/consumo de diferentes instrumentos de registro, tendo como base a especificidade desse componente curricular. A avaliação é uma prática de pesquisar, pesquisar a sua prática, fornecer e produzir dados, indicar caminhos e percursos. Um exemplo é a narrativa da aluna Mariana:

 

No primeiro ano do Ensino Médio, a professora dava para cada grupo de sala uma atividade, uma pesquisa sobre vôlei, basquete, handbol e vôlei. Eu fiquei responsável pela hidroginástica. Tinha que procurar clubes, centros esportivos e até mesmo academias para falar da hidroginástica, e isso gerava uma avaliação.

 

A avaliação, nessa perspectiva, é compreendida como ação essencial do processo de construção do conhecimento e deve ser pautada nos demais elementos que compõem a prática pedagógica, já que, como destaca Freitas (2002, p. 88-89),

 

[...] no interior da educação, a avaliação não se caracteriza por ser uma categoria independente; ao contrário, sua significação depende de outras. O par dialético mais significativo, entre as categorias do processo didático, é constituído pela junção objetivos/avaliação. De fato, a avaliação não poderia ser levada a cabo se não estivesse associada a objetivos. Tais objetivos, no caso da educação, atendem a determinações das próprias funções sociais atribuídas à escola pela trama social. Complementando esse quadro, rapidamente aqui apresentado, estar o par conteúdo/metodologia. É nesse terreno que se decidem as formulações de trabalho que interagem de maneira importante com as possibilidades que o aluno e a escola apresentam, à luz do par objetivos/avaliação.

 

A prática avaliativa nos possibilita analisar as ações realizadas nos processos ensino-aprendizagem, o que se aprende, o que se ensina, o que se aprende com o que se ensina, os objetivos, os procedimentos. Permite mais, permite compreender as perspectivas de formação dos professores e a atuação profissional dentro do espaço/tempo da escola.

Mesmo com a tentativa de a Educação Física se igualar às demais disciplinas, como discutido, pela avaliação, as narrativas evidenciam uma prática singular em que se destaca o saber de domínio.

A representação que os alunos possuem sobre avaliação é demarcada por suas experiências no processo de escolarização com a Educação Física e demais disciplinas. Nesse caso, fica evidente a relação entre avaliação e nota, como se ambas fossem sinônimos. É possível perceber que a perspectiva de avaliação que fundamenta tanto a prova, a participação e a prova prática é justamente a avaliação voltada pelo ato de medida. Seu papel é quantificar, atribuir um conceito para aprovar ou não o aluno. A avaliação perde com isso sua dimensão potencializadora, de oferecer possibilidades e pistas para que professores e alunos possam analisar a atuação, formação, o aprendizado e os saberes por eles derivados. As narrativas estão centradas nos instrumentos e não fazem conexões com as concepções avaliativas, mesmo tendo como participantes da pesquisa alunos no final do processo de formação inicial em Educação Física, ou seja, futuros professores desse componente curricular.

 

 

Considerações finais

 

Este trabalho teve por objetivo analisar, por meio das narrativas autobiográficas e das memórias de alunos do curso de formação inicial em Educação Física, as experiências de avaliação do processo ensino-aprendizagem vivenciadas nas aulas de Educação Física na Educação Básica.

Apesar de estudarem em escolas diferentes, as narrativas dos discentes se aproximam, quando analisamos a perspectiva de avaliação, instrumentos e critérios. Percebemos uma centralização dos atributos relacionados com os comportamentos e atitudes em que se utiliza a participação sem registro sistemático como instrumento.

As experiências que fogem a esses aspectos sinalizam uma ação fundamentada na prova prática e escrita. Em ambos os casos, observamos o entendimento da avaliação como sinônimo de nota, realizada, na maioria das vezes, como uma obrigação imposta pela lógica da escola, questão esta já levantada em estudo anteriormente realizado por Rombaldi e Canfield (1999).

As formas de avaliar apresentadas pelos discentes participantes deste estudo e a perspectiva teórica que lhes oferece suporte têm nos levado a questionar o estatuto epistemológico de que trata a Educação Física no contexto escolar. A própria ideia da nota nos leva a justificar a presença da Educação Física pela igualdade às demais disciplinas e não por sua diferença. Precisamos criar possibilidades avaliativas que potencializem e deem visibilidade à especificidade da Educação Física como componente curricular.

            Por fim, percebemos que as narrativas dos discentes estão centradas nos instrumentos e não dialogam com as concepções avaliativas, mesmo ao final do curso de licenciatura em Educação Física. Se a narrativa não é o reflexo do que aconteceu no passado, mas nossas possibilidades de interpretar o passado no presente, já que “É um dizer sobre aquilo que o outro diz de sua arte, e não um dizer dessa arte” (CERTEAU, 1994, p. 151), parece-nos que a formação inicial tem oferecido poucos elementos teóricos para que os discentes possam analisar suas experiências avaliativas na Educação Básica. Essa é uma questão que será aprofundada em um próximo estudo.

 

 

Referências

 

 

ALVES, W. F.; SOARES JÚNIOR, N. E. Educação física escolar e a avaliação: análise dos trabalhos apresentados no GTT–Escola no período de 1997 a 2005. In:CongressoBrasileiro de Ciências do Esporte, 15., 2007, Recife. Anais... Recife/PE: Colégio Brasileiro de Ciência do Esporte, 2007.

 

BONDÍA, J. L. Notas sobre a experiência e o saber da experiência. Revista Brasileira de Educação, Campinas, n. 19, jan./fev./mar./abr. 2001.

 

BLOCH, M. L. B. Apologia da história ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

 

BRATIFISCHE, S. A. Avaliação em educação física: um desafio. Revista da Educação Física/UEM Maringá, v. 14, n. 2, p. 21-31, 2. sem. 2003.

 

Certeau, M. de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. 8 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994.

 

CHARLOT, B. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto Alegre, RS: Artes Médicas Sul, 2000.

 

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DARIDO, S. C.; RANGEL, I. C. A. Educação física na escola: implicações para a prática pedagógica. Rio de Janeiro, RJ: Guanabara Koogan, 2005.

 

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[1]
As fontes utilizadas foram: Ferreira Neto  et al. (2002), revistas da área disponíveis on-line, Anped, no período de 2001 a 201, e Combrace, 2001 a 2007.

[2]A fim de preservar a identidade dos colaboradores da pesquisa, decidimos usar nomes fictícios.

[3]Ao discutir sobre as figuras do aprender, Charlot (2000, p. 66) indica quatro formas de elas se manifestarem: “1 - possui relação com objetos-saberes, objetos nos quais os saberes estão incorporados [...]; 2 - tem a ver com objetos cujo uso deve ser aprendido [...]; 3 - se projeta em atividades a serem dominadas, as quais possuem estatutos variados [...]; e, 4 - se manifesta em dispositivos relacionais, os quais só podem ser apropriados na relação com o outro”. Charlot (2000, p. 71) destaca ainda que essas figuras podem ser resumidas em três “[...] constituição de um universo de saberes-objetos, ação no mundo, regulação da relação com os outros e consigo”. Apropriamo-nos dessas três figuras neste estudo.

 

Instituto de Pesquisa em Educação e Educação Física (PROTEORIA), http://www.proteoria.org
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Prévia do artigo VENTORIM, Silvana; BOLZAN, Erica; POLEZE, Grasiela Martins Lopes. Práticas Colaborativas entre formação inicial e continuada de professores no Estágio Supervisionado em educação física. In: X Congresso Espírito-Santense de educação física, 2010, Vitória. Anais...Vitória: CONESEF, 2010. CD-ROOM.
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