NEITZEL, Fernanda Mutz; FERREIRA NETO, Amarílio. As atividades físicas na escola: a biologia, a homogeneidade de grupos e as práticas de ginástica para a infância. In: II Seminário do CEMEF-UFMG, 2005, Anais... Belo Horizonte. Educação Física, Esporte, Lazer e Cultura Urbana: uma abordagem histórica. Belo Horizonte : CEMEF-PROTEORIA, 2005. 1 CD-ROM
ATIVIDADE FÍSICA NA ESCOLA: A BIOLOGIA, A HOMOGENEIDADE DE GRUPOS E AS PRÁTICAS DE GINÁSTICA PARA A INFÂNCIA
Fernanda Mutz Neitzel Acadêmica de Educação Física - Bolsista do PIBIC/CNPq/UFES
Amarílio Ferreira Neto UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
Membros do PROTEORIA
INTRODUÇÃO
No debate realizado nos últimos 25 anos na Educação Física brasileira, esteve sempre em primeiro plano a disposição de se identificar ou estabelecer tendências da área no século XX. As tentativas que marcam este debate buscaram demarcar os grandes eixos teóricos, períodos e marcas políticas das perspectivas prescritas e implementadas no contexto social, especialmente aquele voltado para as práticas escolares.
Teorizar sobre Educação Física no entendimento aqui assumido quer dizer buscar seus fundamentos como prática escolarizada na imprensa específica para o ensino e a técnica da área. A tensão recai, portanto, na suposição de que a resposta para tal empreitada só pode ocorrer pelo empírico praticado na produção de conhecimento pioneira das décadas de 1930 e 1940. Neste artigo opta-se por experimentar o que se denominou de presença da Biologia na Educação Física.
A Revista de Educação Física (REF) no período de 1932 a 1942 direcionou parte de suas publicações a Biologia que, sob a sua influência, formou um suporte científico-metodológico com base no método francês para auxiliar a ginástica infantil e atividades físicas voltadas para escolares e pré-escolares, como "ser bem nutrido e cuidado, pra suportar, [...] os fatores ambientes,...” (SALEMA, 1936, p. 31), a fim de homogeneizar os grupos escolares.
BIOLOGIA E HOMOGENEIDADE NA ESCOLA: UM ESTUDO NA REVISTA DE EDUCAÇÃO FÍSICA (1932-1942)
Nos levantamentos realizados na Revista de Educação Física está evidente a presença dos aspectos biológicos direcionados principalmente às crianças, tanto em idade escolar como em idade pré-escolar. Nos textos analisados, a maior parte está direcionada às crianças com idade pré-escolar, onde aparece estudos voltados à ginástica infantil com o objetivo de orientar a educação física ao indivíduo desde o início da sua formação psicológica. Não se julgava a ginástica infantil como uma maneira de alcançar somente a robustez da criança, ou seja, lhe proporcionar uma saúde perfeita e impedir que ela fosse viciosa em suas ações e posturas, mas acreditava-se que a ginástica infantil seria um fator de desenvolvimento cerebral, psíquico e moral, pois desenvolveria os centros cerebrais, resultando em uma manifestação de inteligência, sendo diferenciada assim das práticas higienistas direcionadas aos adultos.
Segundo Salema (1935), a ginástica seria efetuada desde os primeiros dias de vida, pois ao nascer, a criança encontra-se com corpo levemente contraído e com o desenvolver de suas faculdades, amolda-se a todas as posições, possibilitando assim, a implementação da ginástica. Na primeira semana ela começa a ouvir e por volta do décimo quinto dia já se interessa por objetos deslocados lentamente diante dos seus olhos. Ao final do primeiro mês, ela começa a produzir alguns ruídos além do habitual, distinguir sabores, como, doce e amargo e inicia também a expressão de sentimentos, sorrindo ou chorando. Com o passar do tempo, a leve contração do seu corpo começa a desaparecer, e a criança começa a executar movimentos mais amplos, manifestando assim, o interesse motor.
Conforme Salema (1935), a ginástica se estenderia aproximadamente até os seis anos, consistindo em três fases. A primeira iniciada no segundo mês de vida seria a de adaptação plástica ou passiva e teria como objetivo, a adaptação do individuo ao meio, apurando a sua sensibilidade. Nesta fase seriam usadas a helioterapia e a ginástica passiva dos membros, que utilizadas de forma correta, antecipariam o desenvolvimento da criança de seis meses para quatro e meio, antecipando ações como, o sentar e o gatinhar.
No que se refere à helioterapia, para Salema (1935), trata-se de um método usado pelos médicos do período em que o lactante era exposto diariamente a sessões de banhos de sol, com o objetivo de favorecer a nutrição geral do organismo. Segundo Salema (1935), essa prática proporcionaria ao lactante um sono calmo e reparador ao passo que também aumentaria o seu peso e a resistência contra infecções. Entretanto, a principal vantagem percebida por Salema a partir da helioterapia, foi a ação dos raios solares sobre a musculatura infantil, que com a exposição ao sol, tonificaria os músculos dorsais, os quais melhor se desenvolveriam com os movimentos que a criança seria obrigada a fazer, e que na seqüência, lhe proporcionaria uma postura adequada.
De acordo com Salema (1935), aconselhava-se expor a criança ao sol diária e progressivamente após a queda umbilical, sendo no verão entre oito e nove horas da manhã e no inverno entre nove e dez horas, salientando que, os excessos poderiam causar crises de insolação, não sendo aconselhável assim, até os dezoito meses de vida, a criança se expor de forma a pigmentar a sua pele, além de ficar atento às variações térmicas. Portanto, ela deveria ser aplicada durante os três primeiros meses por dez minutos para cada face do corpo e a partir do terceiro mês, poder-se-ia aumentar o tempo de exposição para quinze minutos em cada face corporal e, após um ano, para vinte minutos diários.
Posteriormente aos banhos de sol, Salema (1935) observou na criança algumas alterações. O bebê, primeiramente, se contrai e fecha os olhos, mas logo depois se acostuma com luminosidade de tal forma que parece estar dormindo. E juntamente com a massagem dada logo após a exposição, se nota um aumento na exposição da criança para sugar o leite durante a amamentação. Assim, a criança progrediria, passando a ter movimentos mais firmes, inclusive com pescoço mais enrijecido. Estando pronta para a próxima fase.
Como Salema (1935) afirma, após essa fase de preparação, seria introduzida a ginástica passiva a qual consistia em movimentos leves e coordenados, que ajudariam no desenvolvimento físico e nervoso da criança. Caberia ao puericultor iniciar a orientação no desenvolvimento físico da criança, ou seja, ajudá-lo a adquirir a posição ereta. Contudo, antes de alcançar esse patamar ela passaria por outros estágios ao arrastar, sentar, gatinhar, agachar, ficar de pé e andar trocando os passos, para aí sim caminhar corretamente. Isso se deve pelos músculos do dorso, que são responsáveis pela manutenção correta da postura, sendo que a convalescença desses músculos resulta na má conformação da postura do homem, em função da leve inclinação frontal da coluna vertebral que faz com que o peso do corpo recaia sobre a coluna vertebral deformando-a. Essa ginástica seria realizada nos membros superiores, membros inferiores e na região abdominal. Contudo, no início se teria dificuldade na execução dos exercícios, pois como a criança ainda não possui uma coordenação motora apurada, ela resistiria aos movimentos que seriam realizados, mas com a ginástica, progressivamente essa resistência acabaria.
Para Salema (1935), as principais vantagens são que, com ela a criança desenvolveria o reflexo de preensão e tonificaria os músculos e ligamentos articulares, principalmente nos membros inferiores, diminuindo as chances dela possuir deformidades como, por exemplo, pernas arqueadas. Além disso, fortaleceria a musculatura da região tóraco-abdominal que é responsável pela proteção das vísceras dessa região. Ao final do terceiro mês, a criança já mostraria habilidades de movimentos suficientes para se iniciar a ginástica ativa dos membros. Portanto é por essa musculatura que se deve iniciar o desenvolvimento infantil.
De acordo com Salema (1936), nessa segunda fase, que se estendia do quarto mês ao segundo ano de vida, a ginástica passaria a ser efetuada de modo mais ativo e a criança passaria a ter mais autonomia nos exercícios. Esta seria a fase mais importante da primeira infância, pois, desenvolveria a coordenação motora, primeira manifestação do desenvolvimento cerebral na espécie humana, podendo ser chamada também de sincinesia. Alertava-se nesta fase para a necessidade de boa nutrição, rica principalmente em ferro, pois, com a debilidade nutricional, a resistência do organismo infantil seria afetada causando problemas como desvio da coluna vertebral. Ele alertava, nessa fase, deveria haver a cura de doenças hereditárias e o cuidado de evitar a utilização viciosa dos membros ainda frágeis (principalmente os pés). Salema (1936, p. 31) acreditava que através desses métodos, a criança teria uma base para uma posterior organização física, intelectual e psíquica, elementos estes, essenciais na formação da personalidade do indivíduo.
A adaptação ativa torna-se por conseguinte um período mais serio da puericultura, necessitando o ser humano, nesta ocasião, ser bem nutrido e cuidado, para suportar, com vantagem e a galhardia, o choque contra os fatores ambientes, resultante da luta biológica que caracteriza a sua fase de evolução ontogênica.
A terceira fase,para Salema (1937), seria baseada na utilização dos jogos e se estenderia dos dois aos seis anos de idade. Havia uma preocupação com esta fase porque era considerada a base da organização moral dos indivíduos, visto que nesse período começavam a ocorrer manifestações de inteligência, em função das diferenciações dos diversos centros cerebrais. Por isso seria importante a criança executar todas as travessuras e curiosidades que sua mente pudesse articular. Contudo, é importante salientar que o interesse da criança se manifestaria de acordo com o ambiente de convivência, por isso, este último deveria ser calmo e respeitoso, para favorecer assim, um bom desenvolvimento da sua personalidade.
Salema (1937) afirma que com a ginástica infantil, a partir do quarto ano de vida, a criança estaria preparada e poderia ser entregue ao pedagogo, tendo este já uma base para a construção de sua inteligência e vida social. Por isso, a prática da ginástica pelo lactante, pode ser justificada pelos benefícios que ela traz aos ossos e músculos, que ao exercer movimentos corretos, dariam uma boa conformação ao esqueleto, bem como uma postura correta. E ao sistema nervoso que, estimulado sensorialmente, apresentaria uma boa orientação espacial e um aprimoramento dos movimentos. Com isso, todos os possíveis defeitos que ela herdaria, desapareceriam completamente, favorecendo assim, o desenvolvimento de suas faculdades. Além disso, a ginástica infantil, seria direcionada também para os anormais, a fim de reconduzi-los a um nível normal usando esta como uma terapia. Isso sugere algumas indagações: como pretendia agir a educação física em crianças ainda tão novas? Quais benefícios ela traria?
Para Salema (1937), essas atividades na infância seriam fundamentais na formação moral do indivíduo, além de melhorar a habilidade de praticar determinadas atividades, sendo mais calmos, firmes e rápidos, o que resultaria na produção de novas gerações sadias e perfeitas, que impulsionariam o progresso da nação, fazendo-a atingir um patamar de grande desenvolvimento.
Além da ginástica infantil, aparecem os exames médicos, onde estão presentes preocupações com medidas antropométricas, testes de força, desvios de coluna, como lordoses, escolioses e cifoses, estudo dos caracteres exteriores, órgãos internos e órgãos dos sentidos. Isto porque, se estivesse estabelecido um padrão de desenvolvimento físico normativo entre as medidas mínima, média e máxima das crianças brasileiras, poderiam ser criadas metodologias de exercícios específicos de maneira a atender as necessidades de escolas e associações, independentemente dos recursos financeiro que possuíssem.
Ramalho (1936) considerava que pelo exame médico seria orientada toda a educação física infantil, pois este era tido como o arcabouço do método francês, ou seja, com ele poderiam se detectar males físicos e também discernir indivíduos normais dos deficientes mentais. Ramalho (1933) mostra como deveria ser montada uma ficha de análise biológica para crianças em idade escolar, objetivando uma posterior base de estudo antropológico e biométrico da criança no Brasil. Essas fichas se preocupavam quase que exclusivamente com as medidas, deixando de lado os elementos compatíveis com o desenvolvimento normal em cada período de crescimento. O fichamento seria baseado na técnica de tomada de medidas, onde as principais seriam: altura, busto, membros superiores e inferiores, peso, elasticidade e freqüência respiratória e cardíaca; além de serem analisadas as capacidades vitais, reação psico-motora, os órgãos do sentido, entre outros.
Após o recolhimento de todos os dados, seria construído um gráfico percentual, para que a partir da análise deste se concluísse o exame, dando-se um parecer sobre o desenvolvimento da criança. É importante salientar, que as medidas de ordem morfológica e fisiológica deveriam ser tomadas em dias diferentes para que não houvesse uma estafa por parte da criança, prejudicando assim, o procedimento adequado do exame. O objetivo das técnicas aplicadas era de formar turmas homogêneas com a finalidade de facilitar o aprendizado dos escolares. Também propunha que caberia somente ao médico escolar a observação clinica e fisiológica da situação de seus “examinados”, a fim de desenvolver indicativos para auxiliar o instrutor, fato este que mostra a subordinação do professor de Educação Física para com o médico escolar. O professor não teria autoridade de prescrever atividades físicas sem o consentimento do médico.
Um exemplo desse procedimento foi o exame médico empregado na Carl Curtis School, exposto na REF (1933) com o título “Educação física infantil”, pelo qual no primeiro dia de aula, cada criança passaria pelo exame completo feito pelo diretor do departamento físico. Começaria pela medição da altura e peso, depois se realizaria um aferição da medida do tórax, sendo este classificado como tórax normal, chato ou deficiente. Seria feito um exame morfológico do pescoço, ombros, costas, escapula e coluna, para verificar alguma alteração como, cifose, lordose ou escoliose. Seguiria com a observação das pernas e pés, onde a maioria das alterações encontradas eram: desvio de joelhos, pernas arqueadas, coxas torcidas, hiperextensão, hiperflexão e pés com, arqueamento diminuído, curva pronunciada e pé chato. Eram também verificadas a tonicidade muscular e a capacidade respiratória. E no final era feita a silhueta da criança para que fosse elaborado um programa de correção das deformidades encontradas. Os exames seriam repetidos periodicamente para se verificar os progressos no tratamento.
Alguns artigos abordaram a relação entre crescimento físico e psíquico nos escolares, o objetivo era saber a relação entre as crises do crescimento e o trabalho mental. Nestes textos Abade (1933) afirmava que durante as fases da infância ocorrem alternâncias entre o desenvolvimento físico e mental, e que por isso a criança não deveria ser considerada um homúnculo, ou seja, um homem em miniatura. Pois segundo ele, as diferentes partes do corpo humano, não crescem de forma igual. O crescimento é maior nas primeiras idades e mais lento com o avançar dela, podendo ser dividido nas seguintes etapas: a primeira infância (do nascimento até os cinco anos), a segunda infância (dos seis aos doze anos), a adolescência (dos doze aos quinze) e a puberdade (dos quinze anos em diante), podendo variar de acordo com a raça, o sexo e as condições sociais, físicas e climáticas. Entre os seis e sete, e dos doze aos quinze anos o desenvolvimento físico é mais rápido consumindo maior energia e ocasionando um desenvolvimento intelectual mais lento, ocorrendo uma inversão nos outros períodos do desenvolvimento.
Contudo, seria também nesse primeiro período que ela ingressaria na escola, o que poderia lhe causar um grande esforço, prejudicando a sua saúde, ficando com uma aparência raquítica e muitas vezes dispersas e nervosas. Dessa forma, seria imprescindível que a escola não sobrecarregasse o aluno e que o educador estivesse preparado, para não prejudicar a formação da criança, visto que, se houvesse uma sobrecarga de conteúdos intelectuais, causaria um déficit no seu desenvolvimento físico. Pois quando o individuo está em trabalho físico, ele gasta muita energia, sobrando apenas um pouco para o trabalho mental. E da mesma forma, se ele se empenha em um trabalho mental, o físico é desfavorecido. Para Abade (1933), os estudos sobre o crescimento infantil têm muita importância, pois permitem classificar o desenvolvimento em normal e subnormal e também prescrever uma atividade adequada para cada criança de acordo com os dados fornecidos pela biometria.
Segundo Abade (1933), existe uma alternância entre o crescimento físico e o intelectual, quando um está em pleno desenvolvimento, o outro se retarda, e assim, alternadamente. Porém, é nos períodos de maior crescimento físico que se deve ter mais cautela, pois seria nesses que a criança iniciaria dois grandes períodos educacionais, escola primária e os preparatórios. Para evitar que a criança tivesse dificuldade de se adaptar ao tomar contato com ambiente escolar, era recomendado que ela passasse por um período preparatório, em uma escola ao ar livre ou em um jardim de infância.
Alcântara (1939, p. 34) corrobora a idéia de Abade ao dissertar sobre as enfermidades causadas pela fadiga e suas ações no físico.
O crescimento na idade escolar é duplo: crescimento físico e crescimento mental. [...] os excessos de funcionamento mental, nesta época, não lhe fortalecem as forças intelectuais, mas sim, acarretam a fadiga, o esgotamento, produzindo estafa mental, que é necessário evitar a todo custo.
Abade (1942), novamente propõe a alternância entre o desenvolvimento físico e o mental, e a adequação que a escola deve se submeter para se adaptar à criança. No entanto nesse texto, ele usa como argumento o fato da educação física servir para evidenciar tendências e capacidades que mais tarde se manifestaria com toda força, como espírito de liderança, coragem, sensibilidade, engenhosidade e até mesmo submissão.
Ainda concordam que as escolas não devem sobrecarregar as crianças com trabalho mental quando essas se encontrarem nos períodos mais acentuados de crescimento físico, pois seria “somar uma fadiga a outra”. Evidencia, portanto, que na educação deve haver uma preocupação maior com o desenvolvimento físico dos escolares. É o que demonstra Rousseau citado por Abade (1942, p. 14):
Cultivai a inteligência de vossos filhos mas, antes te tudo cultivai o físico, porque é ele que orienta o desenvolvimento mental. Fazei primeiro vossos filhos sãos e fortes para poder vê-los, depois inteligentes.
Outra vertente encontrada, a sedentariedade, tinha como objetivo alertar quanto aos malefícios da falta de exercício físico na idade escolar. Segundo Ferreira (1932), tais malefícios são identificados em varias faixas etárias, em especial na infantil, principalmente os filhos de educadores que consideravam o contato com a rua e os jardins públicos prejudicial, pois para eles, nestes locais existiam crianças de má educação com as quais seus filhos não poderiam conviver. Essas crianças geralmente eram pálidas, estavam sempre resfriadas, sofriam de falta de apetite, e por isso se alimentavam mal, respiravam superficialmente, o sangue era mal oxigenado, não cresciam, eram atarracadas e sempre se fazia necessário o uso de remédios como xaropes para sua saúde debilitada.
Para Ferreira (1932), os males que atingem a população ocorrem principalmente na circulação e na respiração. Onde a onda circulatória diminui consideravelmente acarretando inicialmente em dois grandes prejuízos: o sangue lançado na aorta para ser bombeado para todo o corpo se tornaria insuficiente; também o sangue que é lançado na artéria pulmonar para a hematose é insuficiente, prejudicando a função respiratória, pois a quantidade de oxigênio que volta no sangue que segue para o coração diminui, acarretando na má nutrição e oxigenação dos tecidos. Pela afirmação de Ferreira (1932), com a falta de exercícios, não ocorreria uma queima total dos alimentos ingeridos, e esse alimento se acumularia no organismo na forma de triglicerídios, ou seja, gordura. Além disso, as matérias usadas e que não foram completamente metabolizadas em virtude da oxigenação insuficiente do sangue, ficariam retidos no organismo, resultando em um terceiro grande malefício, a nitoxicação lenta do organismo pela retenção de produtos tóxicos.
Foi verificado, a partir de Ferreira (1932), baseando-se em estatísticas européias, que durante o período de inverno havia um aumento da sedentariedade e conseqüentemente um aumento das doenças. Um outro sinal evidente dos malefícios da sedentariedade acontecia com os músculos, que sofriam um atrofiamento notável depois de uma imobilidade prolongada, e mais do que isso, eles se infiltram de gordura. O cérebro também sofreria com a inação do corpo. Os indivíduos iriam perdendo a disposição para o trabalho intelectual, ou antes, seu pensamento se tornaria lento. Logo depois, surgiriam dores de cabeça, vertigens, insônia, diminuição da memória, fácil dispersão e sono irregular podendo sofrer pesadelos. Sem citar as deformidades físicas como: ventre proeminente, dorso saliente, escapulas de formas diferentes, etc. Além disso, esses indivíduos teriam um comportamento psicológico diferenciado, sendo muitas vezes tímidos e hesitados.
No texto Sedentariedade (1932), foi demonstrado que embora houvesse uma propaganda forte a favor do exercício físico, existiam ainda preconceitos por parte de pais e tutores, por não compreenderem os benefícios que o exercício poderia trazer ou por não terem consciência dos malefícios da sedentariedade. A educação física deveria ser indicada para os jovens, a fim de preparar o físico e a moral destes. Aquele que praticasse atividade física possuiria biologicamente um bom intelecto. Por esse motivo se tornou obrigatória nos estabelecimentos de ensino secundário a prática da educação física tornando também assimilável a educação moral como complemento da educação intelectual. Seus benefícios seriam essenciais na busca do engrandecimento da raça e a falta de exercícios não prejudicaria somente a saúde dos indivíduos, mas também a sociedade e a família.
Martins (1933) considera a sedentariedade uma moléstia social, que é alimentada pelo conforto e luxo da vida moderna e pelos excessos à mesa. Segundo ele, estariam inseridos nesse contexto sábios, filósofos, estadistas, jornalistas, advogados, literatos, funcionários públicos, entre outros, e até mesmo médicos e militares. Dividindo-se em faixas etárias poder-se-ia detectar a sedentariedade entre os velhos, jovens amantes de jogos de cartas e cinema, e crianças vítimas de uma educação proibitiva, não tendo liberdade para gastar suas energias em brincadeiras.
Seria importante que se tivesse uma atenção dos médicos, em especial dos higienistas, pois estes deveriam alertar sobre os males causados pelos diversos vícios, das enfermidades, da inatividade física, da falta de saneamento, para que desta forma houvesse a estruturação de uma nação forte e moderna, isto é, deveria haver um trabalho de profilaxia nacional, dando ênfase às leis higienistas.
Pais, mães, tutores e dirigentes de nossa mocidade escolar, fazei os vossos praticar a educação física como complemento da educação intelectual e moral. Agindo deste modo podeis estar tranqüilo do resultado a esperar desta mocidade que forte de corpo e de alma saberá por muita energia honrar a nossa raça ainda não definida. O Brasil precisa para ser forte, de homens fortes, intelectual, física e moralmente (Sedentariedade, 1932,[s.p.]).
O texto acentua que países com potencial militar como Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos tinham doutrinas firmadas a respeito da educação física, e que o mesmo deveria acontecer no Brasil. Isso ficou tão evidente, que após a Primeira Guerra Mundial, todas as nações reorganizaram seu sistema educacional.
Alcântara (1939, p. 45) corrobora essa idéia: “Formar o corpo e o espírito duma criança, é formar sem dúvida alguma o Estado e a Nação de amanhã”. A formação dos escolares nessa concepção educacional jamais se afasta da consolidação do Estado, da Nação e do progresso da sociedade, entendidos como progresso econômico, para o qual é necessária uma força de trabalho cada vez mais educada, o que impactaria nas diferentes cadeias produtivas.
Para os especialistas, era na idade escolar que a atividade física deveria ser implantada. O ar confinado das classes, as posições defeituosas conseqüentes da falta de rigidez física, causava escoliose que com suas deformações, prejudicariam o crescimento, debilitando o organismo que por eles fossem atingidos. O programa aconselhado pelo Dr. Roux para as escolas, destinava o tempo da tarde aos jogos e passeios. Devendo ser ministrado por professores que soubessem aplicá-los de maneira proveitosa para não sobrecarregar os escolares e causar, por exemplo, fadiga intelectual, principalmente nas proximidades dos exames. Aqueles profissionais despreparados acabariam representando mais perigo aos alunos do que a própria inatividade corporal, pois estes não utilizariam uma teoria fundamentada, isto é, não possuíam um domínio cientifico. O ideal seria ter um professor de educação física e um médico especializado nessa área para prescrever exercícios aos alunos que fossem permitidas as práticas após os exames médicos e fisiológicos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As pesquisas recentes na interface dos campos da educação e educação física oferecem suporte para continuidade deste estudo na busca dos fundamentos mais íntimos de uma teorização da educação física brasileira veiculada na imprensa periódica de ensino e técnica.
Na análise dos artigos da Revista de Educação Física, percebe-se que havia um conjunto de textos que traziam os fundamentos da Biologia e Pedagogia para o âmbito da educação física. Em suas especificidades apresentavam interesse pela educação infantil, visto que a partir desta seria implantado um método de educação física que seria a base da formação de uma sociedade forte, nacionalista e desenvolvida. Para isso, foi adotado o método francês, o qual a fim de promover esses interesses, direcionaria a área escolar através da ginástica infantil e dos exames médicos. Contudo, percebeu-se durante o estudo uma correlação entre a Biologia e a Pedagogia, onde a primeira deu sustentação às práticas pedagógicas da educação física em sua inserção no âmbito escolar, ou seja, notou-se uma biologização da Pedagogia, de modo a fornecer uma cientificidade à disciplina estudada.
Pela contribuição de conhecimentos de fundamento oriundo da Biologia se manteria o desenvolvimento físico, o que repercutiria no âmbito pedagógico, psicológico e moral da criança.
Identificou-se que é próprio de conhecimentos que se originam dos estudos da Biologia Humana a preconização na educação física de atividades físicas, práticas e formação de grupos homogêneos e o conteúdo ginástica para minorar os males da infância.
Os indícios dos artigos do campo da Pedagogia, indicam que para a melhoria da qualidade de formação física, psicológica e moral das crianças, prescrevia-se as "didáticas”, que vem a ser o conjunto de meios que conferem unidade de procedimentos às práticas educativas, que deveriam se materializar por meio da ginástica, dos jogos, do esporte, da medicalização e higienização dos corpos e inclusive também do escotismo, ainda que neste caso não houvesse consenso.
REFERÊNCIAS
ABADE, Idílio Alcântara. O primeiro ano da criança na escola e o seu crescimento fisico. Revista de Educação Fisica, Rio de Janeiro, ano 2, n. 8, p. 13, maio 1933.
ABADE, Idílio Alcântara. Necessidade da educação física para firmar espiritual e fisicamente a personalidade da criança. Revista de Educação Física, Rio de Janeiro, ano X, n. 52, p.14-16, abr. 1942.
ALCÂNTARA, Idílio. A saúde das crianças das escolas brasileiras pelo prof. Idílio Alcântara (inspetor regional de educação física do estado de São Paulo). Revista de Educação Física, Rio de Janeiro, ano VII, n. 45, p. 34, jun. /jul. 1939.
EDUCÇÃO física infantil. Revista de Educação Física, Rio de Janeiro, ano 2, n. 5, [s.p.], fev. 1933.
FERREIRA, Hermilio. Os malefícios da sedentariedade. Revista de Educação Física, Rio de Janeiro, ano 1, n. 2, [s.p.], jun. 1932.
MARTINS, Bráulio D. patologia da sedentariedade. Revista de Educação Física, Rio de Janeiro, ano 2, n. 13, dez. 1933.
RAMALHO, Sette. Fichas para crianças. Revista de Educação Física, Rio de Janeiro, ano 2, n. 8, p. 40-46, maio 1933.
RAMALHO, Sette. O exame médico na educação física da criança, pelo método francês. Revista de Educação Física, Rio de Janeiro, ano V, n. 33, p. 10, out. 1936.
SALEMA, Octavio. A ginástica infantil, como fator de desenvolvimento cerebral na espécie humana. Revista de Educação Física, Rio de Janeiro, ano 4, n. 27, p. 10-12, out. 1935.
SALEMA, Otávio. A ginástica infantil, como fator de desenvolvimento cerebral na espécie humana. Revista de Educação Física, Rio de Janeiro, ano 4, n. 28, p. 33-34, nov. 1935.
SALEMA, Otávio. A ginástica como fator de desenvolvimento cerebral na espécie humana. Revista de Educação Física, Rio de Janeiro, ano IV, v. III, n. 29, p. 4-6, dez. 1935.
SALEMA, Otávio. A ginástica, como fator de desenvolvimento cerebral na espécie humana. Revista de Educação Física, Rio de Janeiro, ano IV, n. 30, p. 33-35, mar. 1936.
SALEMA, Otávio. A ginástica infantil, como fator de desenvolvimento cerebral na espécie humana. Revista de Educação Física, Rio de Janeiro, ano V, n. 31, p. 3-7, maio 1936.
SALEMA, Otávio. A ginástica infantil, como fator de desenvolvimento cerebral na espécie humana. Revista de Educação Física, Rio de Janeiro, ano V, n.32, p. 4-6, ago. 1936.
SALEMA, Otávio. A ginástica infantil, como fator de desenvolvimento cerebral na espécie humana. Revista de Educação Física, Rio de Janeiro, ano V, n. 33, p. 31-32, out. 1936.
SALEMA, Otávio. A ginástica infantil, como fator de desenvolvimento cerebral na espécie humana. Revista de Educação Física, Rio de Janeiro, ano V, n. 34, p. 2-4, ago. 1937.
SEDENTARIEDADE. Revista de Educação Física, Rio de Janeiro, ano 1, n. 3, [s. p.], jul. 1932.