BARBOSA, Islany Chagas; FERREIRA NETO, Amarílio. A inserção do esporte na educação física escolar (1932 - 1960). In: II Congresso de Educação Física e Ciências do Esporte do Espírito Santo, 2004, Vitória. II Congresso de Educação Física e Ciências do Esporte do Espírito Santo. Vitória: Secretaria Estadual do Colégio Brasileiro de Ciência do Esporte, 2004.
A INSERÇÃO DO ESPORTE NA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR (1932 - 1960)
Islany Chagas Barbosa - Professora do Colégio Samaritano
Dr. Amarílio Ferreira Neto - CEFD - UFES Coordenador do PROTEORIA
RESUMO
Aborda a inserção do esporte como conteúdo dos programas e das lições de Educação Física. Tem como objetivo geral sistematizar o debate ocorrido no período de 1932 a 1960. Utiliza artigos da Revista de Educação Física e técnicas de pesquisa bibliográfica. O esporte incluído nos programas tem seu destaque no Método Francês, utilizado como coroamento das sessões. Com a influência do Método de Educação Física Desportiva Generalizada, introduzido no Brasil por Auguste Listello, o esporte configura-se como conteúdo de maior influência. Palavras-chave: Educação Física; esporte; escola.
1 INTRODUÇÃO
Este estudo reflete sobre o processo de inserção do esporte como conteúdo na Educação Física Escolar Brasileira, identificando como esse conteúdo é apresentado nos Programas e Lições de Educação Física para a sua prática nessa disciplina escolar.
Ao apontar essa questão, estar-se-á promovendo uma análise diante dos discursos encontrados no periódico pesquisado, compreendendo, por meio dos Programas e lições de Educação Física, os objetivos a serem alcançados pela sua prática:
[...] o esporte se constitui num meio que sem desrespeitar as características de nossa constituição cultural e racial - nossas ‘aptidões naturais’ pode conduzir desde que se procedido anteriormente de um treinamento físico e psíquico a um aprimoramento do caráter do ‘homem brasileiro’, aproximando-o dos padrões estipulados pela civilização ocidental - especialmente aquele encontrado nos países desenvolvidos (PAGNI, 1997, p. 73).
Percebe-se na citação acima dois pontos importantes para este estudo. O primeiro refere-se ao objetivo da prática esportiva para a sociedade brasileira. Essa prática se caracteriza como um dos instrumentos para a construção do “homem brasileiro”, desenvolvendo nele um comportamento mais civilizado nos moldes da cultura ocidental, pois a prática esportiva conduziria a um maior controle dos seus instintos e atitudes. Portanto, para alcançar uma maior disseminação dessa atividade física, a escola torna-se um local propício para o desenvolvimento das qualidades mencionadas.
Já o segundo ponto faz alusão ao ato da prática esportiva, com referência à importância de uma preparação física anterior, pois cada atividade possuía a sua função nas lições de Educação Física.
Diante dessas informações, pode-se refletir sobre o debate ocorrido na integração e posição conferida ao esporte nas aulas de Educação Física, identificando como o esporte era prescrito nos programas para serem executados nas lições dessa disciplina, uma vez que havia pontos favoráveis e contra a essa atividade.
Assim, investigar a inserção da prática esportiva, no âmbito da Educação Física Escolar Brasileira, justifica-se por apresentar uma reflexão no atual discurso sobre o fenômeno esportivo presente nessa disciplina: “A influência do esporte sobre a educação física tem um grande crescimento após a Segunda Guerra Mundial, afirmando-se como elemento hegemônico da cultura corporal” (ASSIS, 2001, p. 15)
O estudo torna-se relevante cientificamente, pois contribuirá para a sistematização do debate pedagógico ocorrido no processo de inserção do esporte nas lições de Educação Física, no período de 1932 a 1960. Socialmente, esta pesquisa poderá propiciar um ponto de reflexão sobre a predominância do esporte nas aulas de Educação Física.
Para realizar esta investigação, foi utilizada uma pesquisa documental e bibliográfica, tendo o periódico como principal fonte. A escolha da Revista de Educação Física (REF) devese ao fato de ela permitir a apreensão das várias fases da Educação Física Brasileira. A periodização utilizada (1932 - 1960) compreende o processo de reorganização ocorrido no cenário educacional, reportando à construção da obrigatoriedade da Educação Física no currículo escolar.
Foram selecionados 37 artigos presentes na REF. Sendo, dezesseis artigos sobre a Educação Física na educação brasileira, oito abordavam os Programas de Educação Física nos estabelecimentos de ensino e treze estavam relacionados diretamente com a prática esportiva.
2 A EDUCAÇÃO FÍSICA NO CONTEXTO EDUCACIONAL
Aqui se focaliza o papel conferido à Educação Física no cenário educacional apresentado a partir de 1932, abordando os seus objetivos na instituição escolar, constituindo- se como um componente curricular obrigatório no ensino secundário, desde 1931.
Nesse sentido, a educação nacional estava se organizando diante do processo de modernização e urbanização do País, delineando um projeto educacional que atendesse às novas exigências da sociedade brasileira. A Educação Física encontrava-se inserida nesse projeto, que visava à construção do homem brasileiro. Embasado no conceito de educação integral, apontava a necessidade do desenvolvimento global do indivíduo.
Interessa abordar por quais motivos se buscava a disseminação da Educação Física na população brasileira, compreendendo sua legalidade (obrigatoriedade) na escola, com o objetivo de alcançar um maior número de pessoas se exercitando fisicamente, promovendo o acesso e a internalização das atividades físicas à sociedade brasileira.
Para identificar a finalidade da Educação Física no contexto escolar, recorreu-se aos artigos buscando os pressupostos do direcionamento dessa questão. Tais artigos trazem de forma expressiva a promoção da saúde como papel principal dessa disciplina.
Também apontam sua repercussão no lado moral, desenvolvendo a disciplina dos indivíduos, afastando-os dos comportamentos ditos instintivos e perniciosos e aproximando-os de um comportamento mais civilizado. Argumentam, como elemento principal, contribuir na preservação da saúde, para a realização das diversas atividades presentes em sua vida cotidiana. Pautados na idéia de produtividade, termo presente na sociedade brasileira como sinônimo do desenvolvimento do País, concebem também, como resultado da prática das atividades físicas, a formação de um corpo mais forte e produtivo, seguindo o parâmetro do crescimento industrial e urbano da nação.
Além da aplicação da Educação Física como um dos mecanismos utilizados para o melhoramento da constituição social, essa disciplina também é vista como meio de promoção dos hábitos de vida mais saudáveis e higiênicos, possibilitando ao indivíduo cuidar melhor do seu corpo. Assim, percebe-se a necessidade da abrangência da Educação Física na população brasileira para a aquisição desses novos elementos, desenvolvendo uma organização social mais civilizada, compreendendo a escola como instituição própria para a sua difusão, pois criaria nas crianças o costume da prática das atividades físicas, levando esse aprendizado para sua vida adulta.
Dessa forma, Molina (1932, s. p.) define Educação Física como “[...] um meio educacional capaz de fornecer tantas qualidades ao país e ao indivíduo”. Contudo, tornava-se necessária uma organização mais clara das leis que regulavam essa disciplina escolar, tendo na Constituição de 1937, oficializada sua obrigatoriedade no art. 131:
A educação física, o ensino cívico e o de trabalhos manuais serão obrigatórios em todas as escolas primárias, normais e secundárias não podendo nenhuma escola de qualquer desses graus ser autorizada ou reconhecida sem que satisfaça aquela exigência (Revista de Educação Física, 1938, p. 34). A perspectiva explicitada, a Educação Física apresenta, como principal finalidade no contexto escolar, o melhoramento da saúde, a correção postural, a recreação e o aprimoramento das qualidades morais.
Apesar de a legislação em vigor definir essa disciplina curricular como obrigatória, havia dificuldades para executá-la no âmbito escolar. Marinho (1953, p. 9) salienta que “[...]não é por falta de leis que a Educação Física não desfruta entre nós situação de relevo, muito ao contrário, existe uma complexidade de leis para protegê-la formalmente enquanto, na realidade, pouco, muito pouco se consegue”.
Encontram-se, portanto muitos problemas acerca da integração na prática da Educação Física. Cardoso (1939) evoca a necessidade de formação dos professores para ativar essa disciplina, sendo organizados cursos de formação com caráter emergencial para suprir a demanda de professores. Esses cursos eram considerados pelo autor como insuficientes, pois não orientavam sobre as novas tendências da Educação Física. Também é exposta a importância dos materiais utilizados nas lições.
Pasquale (1955) verifica as limitações desse componente curricular no âmbito escolar, focalizando as restrições que os locais das atividades apresentavam, quanto ao número e tempo das sessões, nas quais não seriam alcançados os objetivos que foram enunciados anteriormente.
O que indicia que, somente a legalização da Educação Física não permitiu a sua aplicação na escola. Portanto, era preciso buscar uma organização estrutural e pedagógica para a prática dessa disciplina. Essa reflexão torna-se útil, pois possibilita compreender o seu grau de importância na escola, qual a finalidade a ser executada nessa instituição e na sociedade em que está inserida, identificando os meios apropriados para atingir os objetivos que lhe foram conferidos.
3 O ESPORTE NOS PROGRAMAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR
No tópico anterior, abordou-se a questão da Educação Física como disciplina obrigatória nos estabelecimentos de ensino, demonstrando os seus objetivos e a sua função. Esse entendimento exige uma reflexão em torno da organização e distribuição dos conteúdos para a prática dessa disciplina no campo educacional. Para isso, pode-se analisar os discursos apresentados nos artigos delineando as atividades conferidas a essa disciplina curricular.
Diante das evidências abordadas para a função da Educação Física, no que diz respeito à promoção de saúde, por meio da ginástica e dos “jogos praticados ao ar livre”, seria compensado o período que os alunos passavam nas atividades de sala de aula.
Os exercícios ginásticos e os jogos praticados ao ar livre eram utilizados como componentes da Educação Física, pelos quais se objetivava evitar e assegurar a correção dos defeitos na postura dos escolares.
Assim, percebe-se que alguns conteúdos presentes na Educação Física trabalham “[... ] com os princípios da ginástica sueca [...]” (SCHNEIDER, 2003, p. 128), no que se refere a utilizar a ginástica para assegurar a saúde, evitando os vícios e desvios posturais.
Apesar de as aulas de Educação Física apresentarem essas características, a partir de 1931, o Método Francês torna-se o “[...] sistema de exercitação corporal oficial no Brasil [...]” (SCHNEIDER, 2003, p. 130), método ginástico desenvolvido na França, na escola de Joinville- le-Pont, conhecido também como Regulamento n° 7.
Schneider (2003, p. 130), por meio de uma citação apreendida do Regulamento de Educação Física do Estado Maior do Exército, em 1934, descreve o Método Francês da seguinte forma:
O plano de Educação Física com base no Método Francês era dividido em seis ciclos: 1) Educação Física elementar (pré-pubertária) de 4 a 13 anos; 2) Educação Física secundária (pubertária e pós- pubertária) 13 a 18 anos; 3) Educação Física superior (desportiva e atlética); 4) Educação Física feminina; 5) Adaptações profissionais; 6) Ginástica de conservação (após 35 anos). As lições aplicadas se constituem em sete formas de trabalho, as quais eram consideradas as suas são grandes famílias: 1) marchar; 2) trepar - escaladas e equilíbrios; 3) saltar; 4) levantar - transportar; 5) correr; 6) lançar; e 7) atacar e se defender.
Muitos programas foram pautados no Método Francês, permitindo, assim, visualizar os principais conteúdos presentes nas lições de Educação Física. Segundo as autoras Vaz e Stramandinoli (1947, p. 36), na escola primária, os programas de Educação Física devem estar estruturados da seguinte forma:
Exercícios naturais; 2) Exercícios em aparelhos (os existentes nos parques infantis); 3) Pequenos jogos; 4) ‘Contest’ elementares; 5) Grandes jogos; 6) Atividades rítmicas (a - ginástica rítmica, b - dança natural, c - dança regional); 7) Acrobacias educativas, fáceis; 8) Exercícios analíticos.
As autoras apontam a importância das rodas cantadas e das imitações nesse período. Alertam que não são inseridos os esportes devido à dificuldade da compreensão das regras. Para a educação secundária, Vaz e Stramandinoli (1947, p. 36) propõem as seguintes atividades: “(1) Exercícios naturais; 2) Educativos; 3) Exercícios analíticos; 4) Atividades rítmicas [apenas para o sexo feminino]; 5) ‘Contests’; 6) Grandes jogos; 7) Atividades desportivas; 8) ‘Acrobacias educativas’ médias; 9) Excursões”.
Na educação secundária, aborda-se a prática das atividades desportivas, pois, segundo as autoras, esse período é marcado pelo interesse dos adolescentes pela competição e performance. Assim, o esporte torna-se um conteúdo que contempla esse período escolar.
Na escola superior, as autoras Vaz e Stramandinoli (1947, p. 37) destacam a importância de serem ensinados os desportos, que os alunos “[... ] praticarão durante o resto da vida”. Em relação ao programa, esse pouco difere do apresentado à escola secundária, configurando os conteúdos a seguir: “(1) Exercícios analíticos; 2) Educativos; 3) atividades rítmicas [para o sexo feminino]; 4) Atividades desportivas; 5) Excursões”.
Pelo exposto, pode-se perceber a presença do esporte nos Programas de Educação Física, tornando-se necessário compreender o debate em torno de sua inserção na Educação Física, os deslocamentos dos saberes dessa disciplina apreendendo-se a relação entre o esporte e a ginástica, apresentando os fatores que permitiram o desenvolvimento do esporte nas lições.
4 O ESPORTE COMO CONTEÚDO DAS LIÇÕES DE EDUCAÇÃO FISICA
Ao estudar a inserção do esporte na Educação Física, decorrem algumas reflexões, como a caracterização do esporte como constituinte de uma instituição presente na sociedade brasileira e sua integração no cenário educacional, permitindo uma leitura da organização esportiva nas lições de Educação Física, assimilando sua função como conteúdo dessa disciplina, considerando-se também a relevância do esporte em relação aos outros conteúdos.
Aqui aborda-se a gênese do esporte,objetivando sua compreensão na sociedade brasileira. Segundo Bracht (2003, p. 13), o esporte moderno "[...] refere-se a uma atividade corporal de movimento com caráter competitivo surgida no âmbito da cultura européia por volta do século XVIII, e [... ] expandiu-se para o resto do mundo. O esporte moderno resultou de um processo de modificação, poderíamos dizer de esportivização de elementos da cultura corporal de movimento das classes populares inglesas, com os jogos populares [...].
Bracht (2003, p. 14) demonstra a caracterização do esporte moderno embasado nos seguintes princípios: “[...] competição, rendimento físico-técnico, record, racionalização e cientificização do treinamento”.
Ao caracterizar o esporte moderno dessa forma, o autor identifica essa instituição agregada aos valores da sociedade industrial, uma vez que os códigos nele existentes visam a desenvolver alguns elementos presentes nas fábricas, por exemplo, o rendimento, a eficiência e a especialização.
No Brasil, segundo Pinto (1996, p. 176), “[...] o início da definição do esporte ocorre com o gestar da modernidade e da República”. A difusão do esporte no Brasil ocorre diante da criação de uma legislação que organiza, fiscaliza e incentiva a prática esportiva no País.
Nesse sentido, percebe-se a ligação do esporte com as práticas do Estado, como referia Bracht (2003), ao relacionar o desenvolvimento do esporte na sociedade industrial. A organização esportiva no Brasil acontece no momento em que o País inicia seu processo de industrialização e urbanização, caracterizando grandes transformações no cenário político, econômico e social.
Diante desses fatos, percebem-se algumas questões pertinentes neste momento, tais como: quais as características da instituição esportiva que a tornaram uma prática de importância para a sociedade industrial brasileira? Quais os objetivos da prática esportiva nas lições da Educação Física? O esporte se insere nas lições para cumprir as funções conferidas a essa disciplina e/ou contribuiu com outras funções promovidas pela instituição esportiva?
Segundo Pinto (1996, p. 178):
[...] a legitimidade do esporte no Brasil acelerou-se à medida que este se integrou, sistematicamente, os projetos políticos - econômicos - educacionais do Estado. Como prática social integrada aos projetos de governo e de construção social, que expandia o capitalismo, o esporte vem cumprindo papéis que o destacam como um fazer valioso para a adaptação dos sujeitos à construção sócio-político pretendido em nosso país. Para tanto o estado, desde os anos 30 vem investindo na inculcação da ideologia do rendimento físico; da divisão e da especialização de funções no esporte, da racionalidade de suas regras e desempenhos; da centralização e impessoalidade de seu comando e da hierarquização e seletividade de seus atletas, técnicos e dirigentes.
Na visão de Schneider (2003, p. 131), o esporte constitui-se como um elemento que consegue atender às necessidades de uma sociedade industrializada e competitiva “[... ] em que o ritmo da cidade insiste que o homem seja cada vez mais competitivo e especializado”. O discurso apresentado enfatiza a sistematização da Educação Física diante das novas exigências da sociedade brasileira, ocorrendo uma reorganização do sistema educacional orientado segundo projeto de industrialização do País. Assim o primeiro ponto a ser analisado detém-se na questão do papel do esporte na construção social.
Ramos (1936, p. 38) identifica a seguinte função do esporte para a sociedade brasileira: “O esporte, qualquer que seja a sua modalidade, robustece o indivíduo, tornando-o inacessível aos males que possam debilitar”. Por sua vez, Pagni (1997, p. 78) apresenta, no discurso de Fernando de Azevedo, as seguintes contribuições da prática esportiva:
[... ] um meio de se conseguir civilizar os costumes e reprimir os instintos e as paixões expressas pelos indivíduos, educando-os, quanto a sua prática pressupunha um autodomínio sobre si mesmo e uma atividade pela qual se podia avaliar o grau de civilização dos indivíduos e de um povo.
[... ]Considerava ainda que ela atuava como uma atividade substitutiva de atividades perniciosas que se desenvolvia durante o ócio da mocidade, como o consumo de álcool, a freqüência às casas de jogos e bordéis [... ]
Colombo (1955) compartilha da idéia descrita acima por Pagni, que configura o esporte como elemento de ajustamento social, afastando os indivíduos das atitudes malvistas socialmente. Assim, o papel atribuído ao esporte é o de contribuir na formação de um homem mais civilizado, seguindo o molde das nações ditas civilizadas (ocidentais).
Diante das considerações apresentadas sobre o esporte na sociedade brasileira, cabe, neste momento, refletir, na periodização enfocada (1932 - 1960), sobre a integração da prática esportiva nas lições de Educação Física. Pode-se perceber, por meio das reflexões desenvolvidas neste trabalho, que o esporte apresentava-se inserido nos Programas de Educação Física e, desde 1931, quando o Método Francês tornou-se o método oficial (SCHNEIDER, 2003), essa prática se apresentava como um conteúdo de relevância nas lições.
Apesar de estar inserido nas lições de Educação Física, observa-se um claro debate em torno de sua prática. No Programa de Educação Física construído pelo Cap. Horácio Gonçalves (1935), a posição desse autor é contrária à prática esportiva na Educação Física Escolar. Segundo o autor, o esporte só deveria ser praticado na idade adulta.
Schneider (2003, p. 124), ao utilizar Fernando de Azevedo como referência, identifica o seguinte enfoque sobre a presença do esporte nas lições de Educação Física:
[...] os aspectos concretamente tinham seu lugar em um programa de educação física escolar, desde que não se abdicasse da preparação que somente a aplicação dos métodos ginásticos poderia oferecer, como ganho de força, capacidade respiratória e flexibilidade. Capacidades que, para o autor [Fernando de Azevedo], não eram adquiridas quando da submissão do escolar a um programa cujo conteúdo fosse somente voltado para os esportes, porquanto esse exercitava somente alguns músculos, em especial, os dos membros.
Nesse sentido, Fernando de Azevedo propõe a prática do esporte na Educação Física Escolar, desde que a ginástica sueca fosse utilizada de forma prioritária, pois, por meio da sua prática, havia um maior desenvolvimento da aptidão física, por parte do indivíduo.
Ainda abordando essa temática, Américo R. Netto (1933, p. 29) expõe a sua opinião: “A ginástica e o desporto, ramos da educação física que deveriam sempre se combinar, completando-se, têm ultimamente andado em vivo antagonismo, que aos dois prejudica”.
Percebe-se nessa citação a inclusão do esporte na Educação Física descrito pelo autor como um “ramo”, apresentando também organização da função de cada conteúdo presente na Educação Física. O autor continua descrevendo:
Porque tanto um, como outro, querem ultrapassar os seus limites. O desporto quer começar muito cedo e a ginástica pretende acabar muito tarde.
A escola dos que querem que a ginástica seja tudo, afirma que o homem deve praticá-la em todas as fases da vida sempre com preponderância, quase com exclusividade, sobre qualquer outra atividade [...]. E condena implacavelmente o desporto, chamando-o de violento, excessivo e particularista.
Por sua vez, os partidários do desporto não concedem a menor trégua à ginástica, julgam-na e sentenciam-na como enfadonha e fadigante, incapaz de despertar as mesmas emoções da competição [...] (R. NETTO, 1933, 29).
Ao apresentar o panorama vivenciado entre o esporte e a ginástica, demonstrando, a princípio, a importância de respeitar os limites de utilizar cada prática, Américo R. Netto conclui da seguinte forma: “[...] A ginástica e o desporto são atividades complementares uma da outra, inseparáveis em tudo que diz respeito à educação física”.
Américo R. Netto confere à ginástica o papel de preparar o homem para a prática esportiva. Assim, essa prática estaria presente na infância e em parte da adolescência. Na educação secundária e superior, torna-se de fundamental importância a prática dos esportes, por serem atividades mais atrativas que a ginástica, imprimindo no indivíduo valores encontrados na prática esportiva, como a luta, a vitória, a derrota, despertando várias emoções.
O esporte se insere com maior influência nas lições de Educação Física, a partir da Segunda Guerra Mundial, quando se observa no Brasil uma expansão do Método de Educação Física Desportiva Generalizada (ASSIS, 2001), sendo esse método introduzido no Brasil pelo professor Auguste Listello. Esse método foi criado na França, após a Segunda Guerra Mundial, pelo Instituto Nacional de Desporto.
Os objetivos presentes em uma lição de Educação Física Desportiva Generalizada são: “[...] 1°) preparar física e moralmente; 2°) iniciar nos diferentes desportos; 3°) orientar para as especialidades de acordo com as aptidões; 4°) despertar o gôsto pelo esforço e pela ‘performance’” (LISTELLO, 1953, p. 31).
As lições eram compostas por quatro partes:
1°) exercício de aquecimento (efeitos higiênicos); 2°) exercício de flexibilidade e desenvolvimento muscular (efeitos morfológicos); 3°) exercício de agilidade, de energia (efeitos sobre o caráter); 4°) exercícios desportivos sob a forma lúdica, tendo um caráter de competição (LISTELLO, 1953, p. 31).
O método apresentado caracteriza a prática do esporte como o principal conteúdo para as lições de Educação Física, mantendo sua organização voltada para uma melhor participação do indivíduo (aluno) no esporte, preparando-o por meio de atividades complementares.
Segundo Targa (1953) o esporte torna-se um meio eficiente de educar fisicamente e, apesar de o método Francês apresentar o esporte como um “coroamento” nas lições, essa prática (esporte) deveria assumir o papel de destaque, utilizando as outras atividades físicas (ginástica, os jogos e as danças) como atividades secundárias. O autor evidencia a seguinte perspectiva:
A diferença portanto está em que antes os desportos só eram praticados depois do educando ter obtido um certo desenvolvimento físico, por meio de outras atividades, principalmente da ginástica, enquanto que agora se pretende que o desporto [...] seja um dos meios principais para a educação [...] (TARGA, 1953, p. 6).
Portanto, nas aproximações realizadas por meio das mensagens obtidas na leitura dos artigos selecionados na Revista de Educação Física e pela literatura pesquisada sobre o processo de inserção do esporte na Educação Física Escolar Brasileira, percebe-se o deslocamento ocorrido na importância dos conteúdos presentes na Educação Física Escolar, configurando o esporte como um dos principais conteúdos dessa disciplina curricular.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A amostragem de artigos da Revista de Educação Física utilizada neste estudo manifesta discussões sobre a Educação Física no âmbito escolar e seu papel nessa instituição, abordando como função principal a promoção da saúde e identificando também os conteúdos incluídos, com destaque para o processo de inserção do esporte. Assim, iniciou-se uma reflexão acerca da contextualização do esporte na sociedade brasileira especificando sua contribuição nas aulas de Educação Física, quando se percebe sua influência no comportamento social do indivíduo.
Assinalando o deslocamento de ênfase dado aos conteúdos presentes nessa disciplina curricular, especificamente no que se refere à entrada do esporte e à diminuição sistemática da ginástica como conteúdo escolar, visualiza-se a mudança ocorrida em relação à importância que o esporte deteve a partir da introdução da Educação Física Desportiva Generalizada.
É relevante chamar a atenção para os limites de aprofundamento deste estudo, quanto ao uso de recursos teóricos e variabilidade de fontes, uma vez que a teoria é fundamental em todas as fases da pesquisa e também, como já está demonstrado, existe um vácuo entre o que está debatido e preconizado pela comunidade de autores/professores estudados e as práticas cotidianas da escola no período.
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