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Artigos > Formação Profissional, Currículo e Práticas Pedagógicas em Educação e em Educação Física > NUNES, Kezia Rodrigues; SANTOS, Wagner. Educação física na educação infantil: um projeto coletivo para intervenção no cotidiano escolar. In: FONTOURA, Paula. (Org.). Pesquisa em educação física. Jundiaí: Fontoura Editora, 2006, v. 4, p. 93-98

NUNES, Kezia Rodrigues; SANTOS, Wagner. Educação física na educação infantil: um projeto coletivo para intervenção no cotidiano escolar. In: FONTOURA, Paula. (Org.). Pesquisa em educação física. Jundiaí: Fontoura Editora, 2006, v. 4, p. 93-98


EDUCAÇÃO FÍSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UM PROJETO COLETIVO PARA INTERVENÇÃO NO COTIDIANO ESCOLAR

 

 

Wagner dos Santos PROTEORIA/UFES;

Kezia Rodrigues Nunes PROTEORIA/UFES

 

Resumo: objetiva construir uma abordagem teórico-metodológica partindo das experiências realizadas no cotidiano escolar em um Centro Municipal de Educação Infantil na Prefeitura Municipal de Vitória, com intuito de indicar possibilidades concretas de ações práticasteóricaspráticas. O projeto/pesquisa foi tecido na concretude dos espaços/tempos escolares em respostas aos sinais que a ação cotidiana oferecia. Assim, partiu-se dos saberes dos professores e do trabalho e reflexões coletivas, valorizando os espaços de trocas entre as profissionais, a fim de enredar aprendizagem significativa para as crianças, dentro de um contexto, de acordo com os projetos de trabalho delineados pelo CMEi “Criança Cidadã”. Utilizou, entre outros instrumentos para coleta de dados: filmagem, fotografias, diário de campo, as produções das crianças e questionário. Os achados da pesquisa evidenciaram uma possibilidade concreta de ação pedagógica permeada pela Pedagogia de Projetos, no qual, é possível articular, de forma complexa, os diferentes fazeressaberes dos professores. Nesse caso, foi possível trabalhar com o componente curricular Educação Física na Educação Infantil de maneira coletiva e integrada aos demais profissionais e as diversas áreas de conhecimento sem, contudo, promover uma especialização disciplinar.

Palavras-chave: Educação Infantil. Educação Física. Cotidiano. Intervenção.

 

INTRODUÇÃO

A Educação Infantil brasileira, assim como em outros países, passa por um período de expansão. No Brasil, o debate teve maior intensidade após a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB n°. 9394/96), que estabelece a Educação Infantil como primeira etapa da Educação Básica, direito da criança de zero a seis anos e dever do Estado. A partir daí, estão em debate questões que dizem respeito à natureza da criança de zero a seis anos, suas necessidades, seu processo de maturação e construção social. No que se refere especificamente à Educação Infantil, discute-se sobre sua especificidade, currículo a ser trabalhado; além da articulação de diversos campos de conhecimento científico, as visões fragmentárias e dicotomizadas presentes na atuação dos profissionais envolvidos, sua formação e condições estruturais de trabalho.

Dentre os saberes colocados em questão, a Educação Física tem sido alvo de pesquisa, buscando-se investigar a contribuição desse componente curricular como área de conhecimento na Educação Infantil.

 

Ao analisar as produções veiculadas nos periódicos da Educação Física percebe-se que os estudos da área da Educação Infantil são relativamente recentes assim como a própria Educação Infantil, que recebeu o status de primeira etapa da Educação Básica há apenas uma década.[1] Nesse caso, o campo acadêmico que versa sobre a criança ganhou ao longo dos anos enfoque nas perspectivas biológica, psicológica, pedagógica e assistencialista (KUHLMANN JÚNIOR, 2003; rOcha, 2003), estando em discussões recentes questões educacionais e sociológicas (CERISA, 2003; KRAMER, 1998; MARTINS FILHO, 2005; QUINTERO, 2002; SARMENTO, 1997).

Acompanhando o debate na esfera educacional, as produções da Educação Física parecem atentar para a especificidade/necessidade da criança pequena e de questões curriculares e organizacionais que permeiam o trabalho pedagógico na Educação Infantil (SAYÃO, 1999; 2002). Entretanto, apesar de o campo acadêmico da Educação Física ter mobilizado experiências teóricas e práticas envolvendo a discussão sobre a criança pequena, não há evidências de uma preocupação com a valorização da relação dessa área de conhecimento com a Educação Infantil, no intuito de se entrecruzar tais saberes para a construção de uma concepção de Educação Infantil. Para Martins Filho (2005)

[...] para se compreender a infância e as crianças em suas múltiplas dimensões, é necessário uma investigação multidisciplinar. [...] Nesse sentido, percebemos a importância de atravessar a fronteira entre disciplinas e perspectivas, que deve ser considerada quando se almeja elaborar uma análise mais profunda a respeito das crianças. E para isso é preciso transitar pelas diversas áreas do conhecimento, alimentando- se de suas contribuições científicas (MARTINS FILHO, p. 39-40).

Vale ressaltar que além de ter acesso às contribuições científicas das diversas áreas de conhecimento é preciso atentar para as contribuições práticas, tecidas no cotidiano escolar, que apesar de não representarem soluções para uma vivência específica, podem servir de pistas (GINZBURG, 2002) para demais experiências que poderão surgir.

No que concerne aos estudos teóricos sobre uma Pedagogia da Infância, as autoras Cerisara (2003), Rocha (1999) e Kramer (1998) sinalizam a necessidade de se trabalhar com a criança em suas diversas linguagens. Nesse caso, o movimento entendido como linguagem corporal da criança também ganha centralidade. No entanto, é escassa as produções que sinalizem uma forma de fazer acontecer esse trabalho na concretude dos espaços/tempos escolares. Não pensando apenas num modelo a ser seguido e sim numa experiência materializada, onde para determinado contexto fosse discutido/apresentado os limites e possibilidades próprios daquela realidade e possíveis ao corpo docente/discente. Como afirma Santos (2005, p. 18), é preciso [...] evidenciar mais do que a tendência de descrever a escola em seus aspectos negativos dizendo o que não há nelas ou o que não corresponde ao modelo de análise adotado, tão comum nos estudos do/sobre o cotidiano, o importante era perceber e estudar o cotidiano escolar em seus contextos, como eles são, sem julgamento a priori de valor.

Apesar dos autores estudados como Ayoub (2005), Sayão (1999) e Silva (2005), indicarem a necessidade de estudos que venham sinalizar a necessidade de construir trabalhos didático- pedagógicos para a prática dos professores no cotidiano escolar, o olhar de denúncia ainda permanece ao não considerar os fazeressaberes desses mesmos professores. Dessa forma, seria notória a visualização de um fosso entre as práticas pedagógicas e teorias acadêmicas, sendo evidente pensar-se em investigações empíricas que indicassem caminhos, alternativas, como afirma Santos (2005, p. 14), “que pudessem ultrapassar o discurso teórico e viabilizasse novas formas de interpretação, pautadas nas práticas dos professores” e nas demais investigações produzidas sobre o tema.

Diante da constatação de que os estudos encontrados nos impressos da Educação Física Brasileira não buscam geralmente investigar as ações cotidianas no contexto no qual elas se originam, ou seja, nos espaços/tempos chamado Escola/CMEI e quando o fazem não reconhecem as experiências sociais do partícipes (TARDIF, 2002) e a constituição dos saberes da ação pedagógica (GAUTHIER et al., 1998), optamos por realizar nesse projeto/pesquisa (SANTOS, 2005) um estudo empírico com o cotidiano escolar.[2] Nesses termos, propus sistematizar/concretizar uma proposta teórico-metodológica para a Educação Infantil a partir de uma experiência como3 professora especialista na Rede Municipal em Vitória-ES, no ano letivo de 2005 no projeto-piloto[3] em um CMEI (Centro Municipal de Educação Infantil).

Este estudo tem como objetivo construir uma abordagem teórico-metodológica para implementar nas aulas de Educação Física no trabalho com Educação Infantil, na tentativa de sistematizar a minha experiência de três anos como professora especialista na Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental. Tomamos como base as experiências realizadas no cotidiano escolar, especificamente no projeto-piloto desenvolvido pela Secretaria de Educação de Vitória (SEME), com intuito de indicar possibilidades concretas de ações práticasteóricaspráticas,[4] entendendo que a prática e a teoria encontram-se visceralmente ligadas. Trata-se de uma tentativa de ultrapassar o discurso teórico e indicar novos olhares, perspectivas e caminhos que viabilizem outras formas de interpretação e a construção de trabalhos pensados a partir e com o cotidiano.

 

UMA EXPERIÊNCIA NA EDUCAÇÃO FÍSICA NO CMEI “CRIANÇA CIDADÔ EM VITÓRIA: ARTICULANDO FAZERESSABERES

A incessante busca pelo trabalho coletivo integrando os saberes dos(as) professores(as) e a constante reflexão de suas práticas foi um dos pontos centrais para que o trabalho atendesse às necessidades das crianças. Dessa forma, o processo de intervenção se constituiu partindo das vivências cotidianas práticasteóricaspráticas, ou seja, a prática como critério da verdade (SANTOS, 2005; GARCIA, 2003); relacionando o saber experiencial com o saber teórico (TARDIF, 2002). Dessa forma, consideramos a pesquisa-ação existencial (BARBIER, 2002) como necessidade de implicar-se e, nessa perspectiva, sendo implicada pelo contexto e implicando-o, desenvolvemos um trabalho coletivo pela prática de implicar/caminhar com os sujeitos cotidianos.

Ao pensar nos apontamentos sobre o trabalho de qualidade para atender as crianças de zero a seis anos vislumbradas no estudo anterior (NUNES, 2003) e nas necessidades específicas de uma instituição, no caso o CMEI “Criança Cidadã”, que, em seu Projeto Político-Pedagógico não previa o trabalho com professores especialistas, construímos uma proposta baseada nos projetos institucionais do CMEI e no objeto de 5trabalho/estudo das áreas de conhecimento Educação Física, Artes Visuais e das professoras[5] regentes. Nesse caso, no momento da realização do projeto/pesquisa, o CMEI desenvolvia os projetos Criança cidadã hoje e sempre, que tem como base o trabalho com os Direitos da Criança, e Lendo, criando... aprendo brincando, com intuito de construir uma releitura de uma obra de literatura.

Para garantir a articulação das professoras e a constante reflexão da docência, a fim de integrar saberes sem a fragmentação de funções, oferecendo aprendizagem com significados (ANTUNES, 2002) para as crianças entenderem e participarem do contexto no qual estão inseridas, os planejamentos e aulas eram compartilhados de forma coletiva. Essa estrutura foi fundamental para o envolvimento das profissionais, para a socialização de nossos fazeressaberes e o aprendizado de adultos e crianças pela relação de dialogicidade estabelecida. Para tanto, estávamos atentos não apenas às necessidades expressas verbalmente pelas crianças, mas essencialmente à motivação dos pequenos ao se envolverem com determinadas atividades que experimentaram cotidianamente nos momentos e entremomentos (RICHTER, 2005) da instituição. Assim, o estreitamento da relação entre as profissionais e seus fazeressaberes e a atenção dada às necessidades das crianças contribuíram para a construção do trabalho coletivo, baseado na Pedagogia de Projetos (HERNÁNDEZ, 1998), que ficou conhecido como Brincando na Arca de Noé.

Nesse caso, realizamos uma releitura da obra A Arca de Noé, de Vinícius de Moraes, desenvolvendo cinco temas: A arca de Noé, O cachorro, A foca, O gato e O pato. Como professores de Educação Física, fizemos um levantamento de músicas populares, coreografias, encenações, brincadeiras, jogos, piques, habilidades motoras e demais atividades que pudessem ser contextualizadas pelos temas eleitos. A professora de Artes Visuais, para os mesmos temas, levantou obras artísticas, tipos de pintura, dobradura, recorte e colagem para esse trabalho. As professoras regentes aproveitavam as atividades para o trabalho com linguagem escrita. Assim, pensávamos no enredamento de diversas áreas de conhecimento e nos seus benefícios tanto para professores quanto para as crianças, propiciando “[...] a troca de informações e conhecimentos, a cooperatividade, a prática do relacionamento em grupo” (NOGUEIRA, 2001, p. 64).

Para desenvolver as aulas usamos a sala; o auditório que é um espaço em frente às salas do Maternal B, Jardim I B, Jardim II A e Jardim II B; e o campinho de grama sintética, localizado no parquinho da instituição.

Desenvolvemos durante o projeto uma média 52 aulas que aconteciam em dias diferentes em cada turma, de acordo com as suas necessidades específicas (Intercâmbio Sócio-Cultural, feriados e passeios), por isso nem todos iniciaram o projeto na mesma semana. É importante ressaltar que iremos tomar como exemplo, a fim de elucidar o procedimento didático-pedagógico sistematizado durante a intervenção, o tema A arca de Noé.

 

A arca de Noé

O primeiro tema escolhido foi A Arca de Noé, sendo trabalhada com história por meio de um livro com alguns animais e o Noé de pelúcia, ginástica historiada, vídeo de um desenho sobre a história, pique musicado, além das músicas populares Seu Noé, Seu Lobato, e da música A Arca da obra literária A Arca de Noé, de Vinícius de Moraes, todas coreografadas, totalizando 5 aulas.

Com base nesses recursos materiais, após conhecerem a ordem dos acontecimentos dos fatos da história, construimos uma Ginástica historiada, imitando a trajetória da Arca e os diversos animais que pulam, arrastam, nadam, voam que consistiam no meu repertório e que foram sugeridos pelas crianças e também pela professora regente. Usamos como espaço o campinho de grama sintética e o auditório.

As crianças imitavam os sons e movimentos dos animais como sapo, coelho (pulando), jacaré (se arrastando balançando o bumbum), cobra (arrastando a barriga no chão), caranguejo (apoiando de costas mãos e pés sem apoio do bumbum), pássaros, girafa (andando em meia ponta de pé), entre outros, simulando a entrada na arca e aguardando com medo dos trovões a passagem do dilúvio. Foi uma experiência rica em movimentos, expressões e na interação com que as crianças realizavam as atividades.

Utilizamos as músicas Seu Lobato, Seu Noé e A Arca, que foram coreografadas com gestos simples, para facilitar o aprendizado da criança pela associação da letra da música com o movimento, oportunizando-as um repertório de pantomimas, movimentos, evoluções, passos e noções de direção — principalmente lateral, ao cantar. Nesse trabalho, aprendíamos gradativamente a letra ouvindo primeiro o CD em partes, explicando as palavras que não fossem do entendimento dos pequenos, acrescentando aos poucos um gesto sugestivo, e cantando sem o CD, sendo essa uma prática realizada em todos os momentos musicados das aulas de Educação Física. Como falávamos de vários bichos, incluímos a música Seu Lobato do CD Baby hits que não fala da história da Arca, mas sugere a imitação de vários animais, e foi coreografada para atender os objetivos de movimentação.

Fizemos ainda, no auditório, o Pique da Arca de Noé, que consistia em quatro grupos de animais (no nosso caso, cachorro, gato, passarinho e pato) em espaços extremos delimitados, tendo ao meio o Seu Noé e seus três filhos. Ao sinal da professora, que é dado após dançar a música “Seu Noé” do CD Baby hits, dois grupos de animais são solicitados e devem trocar de casa. Os animais que durante a movimentação estivéssem fora da casinha, poderiam ser pegos pelo Noé e os seus filhos, com o coro pra Arca de Noé, pra Arca de Noé.

Foi importante que as crianças vivenciassem antes como seria realizada a atividade para o melhor entendimento dos pequenos, assim como nos alerta Chicon (2004):

A compreensão dos alunos sobre a tarefa a ser realizada é fundamental para que ela ocorra adequadamente, caso contrário, a questão da comunicação pode ser o primeiro aspecto a provocar o fracasso do aluno. Em casos assim, o professor deve deixar os alunos iniciarem a brincadeira de forma experimental e observar as falhas, explicando-a novamente, para logo após inicia-la de forma definitiva (CHICON, 2004, p. 46).

Após várias solicitações, em diversas direções (horizontais, transversais), os últimos animais tomavam o lugar do Seu Noé e seus filhos, recomeçando a brincadeira.

Esses momentos foram importantes para as crianças perceberem que não bastava apenas correr, elas deveriam procurar a “casinha” específica para trocar de lugar, com astúcia para esquivar-se e fugir dos pegadores. Por sua vez, os pegadores também deveriam estar atentos aos animais que trocariam de “casa” para levá-los para a Arca. Tratava-se, na verdade, de um pique da nossa cultura popular que sentimos a necessidade de adaptar ao contexto da Arca de Noé, incluindo personagens da história e uma música para ficar ainda mais atrativo e rico, ou seja, as atividades propostas — músicas, piques, coreografias, ginástica — se não estivessem no contexto da história da Arca não traduziriam momentos realmente significativos para as crianças, como nos aponta Mattos e Neira (2004, p. 17):

Toda ação tem uma intenção, seja ela expressiva ou funcional é sempre determinada pela sua dimensão cultural: um jogo, um esporte, uma dança, um trabalho, uma expressão, etc., qualquer gesto é sempre sustentado por um significado. Os teóricos, entretanto, nomeiam-nos estudiosos daquele movimento de músculos e tendões, de fibras, de força, resistência e velocidade. Resistimos a isso, queremos o outro lado. O gesto carregado de sentido, significado e intenção. Queremos uma ação cognitiva, afetiva, social e claro, motora. Queremos todos aqueles movimentos que eles trabalham inserindo-os em uma situação onde a criança se veja obrigada a pensar e planejar a sua movimentação, fugindo de um pegador, escalando uma montanha imaginária, queimando o amigo, enfim, vivendo cada movimento não só com os músculos, nervos e tendões, mas também e principalmente com o ‘coração e cabeça’.

Ao final de cada aula resgatávamos o que havíamos feito e discutíamos o que foi mais interessante, conforme a reflexão dos alunos. Quando iniciávamos a aula seguinte, fazíamos o resgate da aula anterior e com base neles construíamos novos conhecimentos. Para Antunes (2002, p. 36, grifos do autor)

A cada passo da atividade do professor existe a necessidade que este, figurativamente, coloque um termômetro no caminho percorrido, aferindo o desempenho do aluno, cobrando-lhe efetivamente suas conquistas, sabendo se está, realmente, compreendendo e podendo provar essa compreensão progressiva. Para que isso ocorra, sempre que possível, é importante que o aluno seja levado a contextualizar o que ouve às cenas que vive e, seguramente, aprenderá melhor quando sentir proximidade relativa entre o que o motiva e empolga [...]. Para que essa contextualização ocorra é essencial que o professor saiba os momentos em que é necessário calar e ouvir seus alunos, ainda que intermediando suas falas, explorando e corrigindo as adequações e contextualizações experimentadas.

Para ilustração do que desenvolvemos, as crianças produziram desenhos relativos a uma música ou às atividades vivenciadas, o que, seguindo a idéia da avaliação indiciária (SANTOS, 2005), nos servia de pistas para avaliarmos a apropriação dos alunos no que se refere às aulas. Os trabalhos eram feitos de maneira coletiva ou individual, sempre expostos em painéis.

Por meio dessas pistas (GINZBURG, 2002) desveladas no cotidiano escolar durante o processo de intervenção, optamos por mudar a estratégia ao percebermos que as crianças já haviam assimilado as regras dos piques e internalizado algumas habilidades (correr, esquivar-se, associar a letra com gestos e estar atento à brincadeira...), iniciando, assim, o trabalho que denominamos circuito. Nesse caso, antes de iniciar os circuitos e pensando no conceito de zona de desenvolvimento proximal (VYGOTSKY, 1994), partíamos do que a criança já realizava sozinha para intervir de forma a melhorar sua vivência na atividade, não em busca de uma otimização para quem fazia melhor, mas para desequilibrar. Nosso objetivo era promover a participação de todos os alunos, ou seja, tanto daqueles que realizavam as atividades como daqueles que só realizavam com a ajuda do outro. Nesses termos, Mattos e Neira (2004, p. 50) afirmam que

A escola assume um caráter fundamental na construção do conhecimento por ser a entidade especializada em desequilibrar a criança e criar condições para o real aprendizado. O processo de aprendizagem é “individual” no aluno, o que quer dizer que cada criança aprende do seu jeito e aprende algo diferente. Recordemos as condições para a construção do conhecimento: cada criança tem um nível maturacional diferente, tem uma bagagem de experiências diferentes, tem uma forma de interagir com o meio que lhe é própria, possui maneiras distintas de desequilibrar-se conseqüentemente o estímulo que possibilita a construção do conhecimento é absolutamente individual, logo, tenho trinta e cinco crianças na classe, terei trinta e cinco procedimentos individuais de construção de conhecimento.

Ao pensarmos na mediação do professor como um processo dialógico de açãoreflexãoação, dito de outro modo, considerando a prática do professor como critério de verdade sustentada pelos seus saberes (TARDIF, 2002), que é ressignificada pela teoria para uma nova intervenção, utilizamos a perspectiva da avaliação indiciária proposta por Santos (2005). Portanto o projeto/pesquisa se constituiu de maneira indiciária, de acordo com as pistas que a prática aos poucos nos fornecia e, dessa forma, a avaliação nunca esteve desvinculada dos objetivos, conteúdos e do referencial metodológico construído no cotidiano escolar, já que, de acordo com Santos (2005), a avaliação não se caracteriza como uma categoria independente desses elementos.

Pensando na análise das vivências nas aulas de Educação Física, criamos diversos instrumentos que deram visibilidade ao processo, tais como diário de campo, fichas de avaliação do desenvolvimento das crianças, fichas de acompanhamento das aulas, relatório de avaliação do projeto, Diário para visualização do desenvolvimento do projeto/pesquisa, exposições, filmagens das aulas e das apresentações, fotografias, apresentações envolvendo teatro e dança, entre outros. Além disso, a avaliação entendida aqui como prática indiciária, acompanhando as pistas que a prática aos poucos nos fornecia, não foi considerada como um momento isolado do processo. Na verdade, diversos momentos entendidos como finalizadores de etapas ocorreram porque a avaliação permeou todos os momentos do projeto/pesquisa desenvolvido no CMEI “Criança Cidadã”. Como prática indiciária (SANTOS, 2005), a avaliação estabeleceu com as crianças uma relação para além do diagnóstico e das propostas de mensuração definidas pelos modelos de avaliação somativa e formativa, ela nos fornecia indícios dos processos em desenvolvimento para delineamento das ações do projeto de intervenção.

Os achados evidenciados neste projeto/pesquisa indicaram a necessidade de continuarmos buscando novas formas de trabalho, fruto de investigações individuais e coletivas que atendam a especificidade da criança, que não é a mesma em lugar algum, e por isso, não existem receitas prontas. Nesse caso, o trabalho foi construído com os sujeitos; crianças e adultos, professores e alunos, professores especialistas e regentes, na concretude dos espaços/tempos escolares com toda sua mobilidade complexa.

 

 

REFERÊNCIAS

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CERISARA, A. B. Em busca da identidade das profissionais de educação infantil. Tese (Doutoramento em Educação) - Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, 1996. Disponível em: <http://www.ced.ufsc.br/~nee0a6>. Acesso em 15 set. 2003.

CHICON, José Francisco. Jogo, mediação pedagógica e inclusão: a práxis pedagógica. Vitória: EDUFES, 2004.

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GINZBURG, Carlos. Mitos emblemas e sinais. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

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VYGOTSKY, Lev. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1994.

 


[1]  Em estudo anterior realizamos uma análise sobre o debate veiculados em periódicos, com o intuito de conhecer como ocorreu historicamente a relação entre a Educação Infantil e a Educação Física, especialmente no que se refere à formação de professores. Para tanto, tomamos como fonte para o levantamento de dados o Catálogo de Periódicos de Educação Física e Esportes (1930-2000), produzido pelo Instituto de Pesquisa em Educação e Educação Física (PROTEORIA). Para saber mais ver Nunes (2003).

 

[2]  Tomamos como dimensão a expressão com por acreditarmos que o processo de intervenção se tece a partir do praticar/pesquisar com o cotidiano escolar tomando como ponto de partida os fazeressaberes dos autores e atores desse contexto. Para saber mais sobre o assunto ver estudo de Santos (2005).

[3]   Estamos nos referindo ao Projeto de implantação das disciplinas Educação Física e Artes Visuais na proposta de Educação Infantil do Sistema de Educação Básica de Vitória - ES, que envolveu a participação de professores de Educação Física e Artes Visuais em algumas unidades de Educação Infantil no período de 2004 a 2005. O projeto foi idealizado pelo professor Nelson Figueiredo de Andrade Filho com os profissionais da Rede Municipal de Ensino de Vitória (SEME). Andrade Filho participou também como assessor em encontros quinzenais com os profissionais da SEME e os professores contratados, para acompanhar e orientar as linhas de ações desenvolvidas no Projeto-piloto. Desenvolvemos o projeto/pesquisa no CMEI, que chamamos Criança Cidadã, para preservar os sujeitos da instituição. É importante destacar ainda que o Projeto-piloto possibilitou um aumento expressivo de produções monográficas no CEFD/UFES, que investigaram as aproximações entre a Educação Física e a Educação Infantil, destacando-se, nesse contexto os estudos de Machado (2004) e Melotti (2005), orientados por Andrade Filho, e os estudos de Nunes (2005) e Guimarães Júnior (2006), orientados por Wagner dos Santos. Além disso, no ano de 2005, foi realizado o Concurso Público para efetivação de profissionais de Educação Física e Artes Visuais na Educação Infantil, na Rede Municipal de Vitória, como resposta positiva ao trabalho desenvolvido no Projeto-piloto.

 

[4]  Forma de escrita do GRUPALFA (Grupo de Pesquisa de Alfabetização dos alunos e alunas das classes populares) e do PROTEORIA (Instituto de Pesquisa em Educação e Educação Física), que tenta unir termos antes separados criando assim uma nova palavra “na tentativa de superação com que foi ‘construída’ a ciência moderna” (SAMPAIO, 2003, p. 23).

[5]  No CMEI “Criança Cidadã”, nenhum professor trabalhou no ano letivo de 2005, portanto, sempre que me referir aos profissionais dessa instituição, falarei sobre às professoras que compartilharam esse projeto/pesquisa.

 

 

Instituto de Pesquisa em Educação e Educação Física (PROTEORIA), http://www.proteoria.org
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Prévia do artigo SCHNEIDER, Omar; FERREIRA NETO, Amarílio; VENTURIM, Silvana; SANTOS, Wagner dos. The physical education and the epistemic relations with knowledge: a trip inside Bernard Charlot's thinking. The FIEP bulletin, Foz do Iguaçú - PR, v. 75, n. II, p. 372-373, 2005 FALCÃO, J. M. ; VENTORIM, S. . PESQUISA E ENSINO NA E COM A PRÁTICA DA EDUCAÇÃO FÍSICA: A CONSTRUÇÃO DO ENSINO DO BASQUETE DE RUA. In: Seminário Nacional Sociedade, Corpo e Cultura, 2008, Vitória (ES). Seminário Nacional Sociedade, Corpo e Cultura. Vitória (ES) : CESPCEO, 2008. v. 1. Próximo artigo
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ELLER, Marcelo Laquini. A olimpíada escolar e a escolarização da educação física no Espírito Santo: 1946-1954 In: Anais do X Congresso Luso Brasileiro de História da Educação, Curitiba, 2014
Marcelo Laquini Eller
WILL, Thiago ferraz; SCHNEIDER, Omar; ASSUNÇÃO, Wallace Rocha. Arquivos da Escola de Educação Física do Espírito Santo: o Ensino da História da Educação Física entre as Décadas de 1930 e 1960 In: Anais do X Congresso Luso Brasileiro de História da Educação, Curitiba, 2014
Thiago Ferraz Will
BRUSCHI, Marcela; SCHNEIDER, Omar; ASSUNÇÃO, Wallace Rocha. Professoras e autoras: circulação, apropriação e produção de saberes sobre a educação física no Espírito Santo (1931-1936) In: Anais do X Congresso Luso Brasileiro de História da Educação, Curitiba, 2014
Marcela Bruschi
WILL, Thiago Ferraz; SCHNEIDER, Omar; ASSUNÇÃO, Wallace Rocha; RIBEIRO, Denise Maria da Silva; LUCIO, Mariana Rocha; POLEZE, Grasiela Martins Lopes. o ensino da história da educação física: uma análise dos anais dos congressos de educação física, esporte e lazer. In: XVIII Congresso Brasileiro de Ciência do Esporte e V Congresso Internacional de Ciências do Esporte, 2013, Brasília.
Thiago Ferraz Will
ELLER, Marcelo Laquini; SCHNEIDER, Omar; SANTOS, Wagner dos. Revista Brasileira de Educação Física e Desportos: Impresso pedagógico e prescrições esportivas para a educação física (1968-1984). In: XVIII Congresso Brasileiro de Ciência do Esporte e V Congresso Internacional de Ciências do Esporte, 2013, Brasília.
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RIBEIRO, Denise Maria da Silva; LUCIO, Mariana Rocha; SCHNEIDER, Omar; ASSUNÇÃO, Wallace Rocha; POLEZE, Grasiela Martins Lopes; WILL, Thiago Ferraz. Colégio Estadual do Espírito Santo: relatos da educação física e do esporte em seu arquivo institucional (1943-1957)In: XVIII Congresso Brasileiro de Ciência do Esporte e V Congresso Internacional de Ciências do Esporte, 2013, Brasília.
admin
RIBEIRO, Denise Maria da Silva; LUCIO, Mariana Rocha; SCHNEIDER, Omar; ASSUNÇÃO, Wallace Rocha. Colégio Estadual do Espírito Santo: práticas de ensino de educação física e do esporte em seu arquivo institucional (1943-1957) In: XVIII Congresso Brasileiro de Ciência do Esporte e V Congresso Internacional de Ciências do Esporte, 2013, Brasília.
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BRUSCHI, Marcela ; SCHNEIDER, Omar ; SANTOS, Wagner dos; ASSUNÇÃO, Wallace Rocha. Presença feminina na escolarização da educação física no Espírito Santo (1931-1937). In: XVIII Congresso Brasileiro de Ciência do Esporte e V Congresso Internacional de Ciências do Esporte, 2013, Brasília.
Marcela Bruschi
SCHNEIDER, Omar; Bruschi, Marcela. A Revista de Educação e a escolarização da educação física no Espírito Santo: autores, atores e editores (1934-1937) In: VII Congresso Brasileiro de História da Educação, 2013, Cuiabá. Circuitos e fronteiras da história da educação no Brasil. 2013. 1 CD-ROM ISSN:2236-1855
Marcela Bruschi
SCHNEIDER, Omar; BRUSCHI, Marcela; SANTOS, Wagner dos; FERREIRA NETO, Amarílio. A Revista de Educação no governo João Punaro Bley e a escolarização da Educação Física no Espírito Santo (1934-1937). Revista brasileira de história da educação, Campinas, v. 13, n. 1 (31), p. 43-68, jan/abr 2013
Marcela Bruschi